‘Não nos podemos apaixonar pelo som’

Quando começou na rádio, mais do que as notícias, fascinavam-na as histórias que se podiam contar a partir das músicas. Já com Bolonha, fez a contagem dos créditos e terminou a licenciatura em Sociologia. Hoje, Maria Flor Pedroso é uma das vozes que faz perguntas na Antena 1. Faz mais zapping a ouvir rádio do…

[sapovideo:rwbpmtmawqpwhlz3i4ea]

numa entrevista a um político, o jornalista deve fazer o papel de advogado do diabo?
julgo que não. é suposto que o jornalista se prepare, mas não tem de entrar em contraditório com o entrevistado. quando convidamos alguém para nossa casa é para ouvir as suas opiniões, independentemente do que nós pensemos.

mas o entrevistado deve ser confrontado com outras visões…
claro que sim, sobretudo se partirem do próprio entrevistado. dá um prazer especial dizer: ‘agora está a dizer isso, mas naquela ocasião tinha dito o contrário. o que aconteceu para mudar de opinião?’. é claro que a vida muda e um político – sobretudo aqueles que têm longevidade na vida pública – não pode pensar sempre as mesmas coisas sobre os mesmos assuntos. o que me interessa é perceber o processo de decisão e os políticos costumam ser muito reticentes em explicar o processo da decisão política.

sente que, por vezes, há tendência para transformar as entrevistas numa espécie de tribunais?
às vezes há essa tendência, mas não me parece que seja a melhor forma de procurar o esclarecimento. há perguntas que são obrigatórias, mas para fazer essas perguntas não é necessário adoptar uma atitude guerrilheira. o jornalista tem de insistir naquela que é ‘a’ pergunta. pela minha experiência, se à terceira vez o meu interlocutor não for lá, não vale a pena continuar. tento fazer o meu guião de forma a limitar o espaço de manobra do meu interlocutor para que ele não tenha muitas possibilidades de fuga. e, se ele fugir, o ouvinte vai perceber que fugiu.

continua a gostar mais de rádio do que de televisão?
sim. eu sou uma profissional da rádio que esporadicamente faz televisão.

o bichinho não é o mesmo…
essa coisa do bichinho… toda a vida ouvi rádio e não há um dia em que não oiça. tenho um aparelho em todas as divisões e faço zapping de rádio muito mais freneticamente do que faço a ver televisão. aquilo que é perene, pelo menos até agora, na minha vida profissional é a rádio.

há muitos anos que se diz que os jornais estão em crise e que a saúde das televisões generalistas não é a melhor. a rádio sofre dos mesmos males?
a rádio sofre de vários males. um deles é a falta de promoção. não só porque as rádios não têm dinheiro para a fazer, mas também porque a imprensa não presta muita atenção ao que se faz na rádio. e é estranho, porque toca muito mais gente que a televisão por cabo, por exemplo. hoje, não há ninguém a fazer crítica de rádio e quando eu comecei, em 1984, havia vários críticos de rádio.

como deu os primeiros passos na rádio?
através de um concurso na rádio comercial que não ganhei. tempos depois, nas voltas da vida, pedro silva pereira, o mesmo que foi ministro, convidou-me para fazer com ele um programa do secretariado diocesano da pastoral juvenil. disse-lhe que não, porque receava que o programa fosse muito controlado pela hierarquia da igreja. nesses contactos, conheci o luís montez, que precisava de uma pessoa para um programa novo que ele ia começar, chamado a nossa turma e vocacionado para os problemas dos miúdos nos liceus. comecei aí.

chegou a acabar o curso de sociologia?
acabei, mas muito tarde. com bolonha pedi a contagem dos créditos e já tinha de sobra [risos].

quando foi para a universidade, o jornalismo já lhe passava pela cabeça?
não. nem sequer quando fui para a rádio. no início, o que me fascinava eram os programas, as histórias que se podiam contar a partir da música, e não tanto as notícias. mas a minha vontade de perceber a história das coisas é antiga: tenho recortes de jornais desde 78, sobre os mais variados assuntos. mais tarde, quando estava no contraste, fui convidada para ir para a rfm.

é aí que chega à informação?
não, ainda não. mas o meu primeiro contacto com o jornalismo vem dos tempos do liceu. tive um grandíssimo professor, o martinho simões – um homem de direita, que fazia o diabo com a vera lagoa –, que sabia muito da profissão. fazíamos um jornal e a primeira entrevista que fiz, com a sofia barrocas, também jornalista, foi à engenheira maria de lourdes pintasilgo. estávamos em 80 ou 81.

foi fácil conseguir a entrevista?
a irmã mais velha de uma amiga namorava com o chefe de gabinete dela.

então tudo começou com uma cunha…
com uma fonte [risos]. ela pensou que seria uma entrevista fácil, mas não foi. colocámos-lhe a questão do aborto, perguntámos como é que trabalhava com a maria elisa, que tinha estado com o freitas do amaral… enfim, colocámos questões políticas que eram relevantes na altura. esse foi o meu primeiro contacto com o jornalismo. anos mais tarde, em 87, quando estava na rfm, vi no sete um anúncio sobre o primeiro curso de jornalistas e animadores de rádio da tsf. decidiram que eu deveria ir para a informação porque tinha jeito para conseguir o som da notícia. nessa altura, falávamos na necessidade de seleccionar, de não poder pôr tudo e, por isso, dizíamos que na rádio não nos podemos apaixonar pelo som. mas foi nesse curso que me apaixonei pelo som. uma paixão que ainda dura [risos].

já lá vão quase 25 anos de carreira jornalística. suponho que já lhe aconteceu ter de entrevistar políticos com quem tem uma relação próxima…
já. e não gosto. quando somos novos não conhecemos ninguém, mas depois o tempo vai passando e há conhecimentos que vão ficando. há políticos que conheço do universo não político – ou porque somos da mesma geração, ou por causa dos locais que fomos frequentando ao longo dos anos. o antónio josé seguro, por exemplo, conheci, há muitos anos, nos corredores da rádio comercial. já o entrevistei e creio que lhe fiz as perguntas que tinha de fazer. e terei de o fazer novamente, por força das circunstâncias.

sente muitas pressões no dia-a-dia?
pressões há sempre. a nossa profissão exige pressão. alta pressão mesmo. e vem de todos os lados: órgãos de soberania, governos, partidos, sindicatos, comissões de utentes, de todos aqueles que têm algum interesse. coisa diferente é o frete. tenho a convicção, que os anos têm confirmado, de que os políticos sabem muito bem a quem se dirigir quando querem um frete.

jose.fialho@sol.pt