Novas taxas na Saúde dividem utentes

O aumento das taxas moderadoras na Saúde, em vigor desde dia 1, não dissuadiu Olga Mira de ir à urgência sem grande necessidade. Estava com «um problema no ouvido» e na quarta-feira decidiu ir directamente ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, sem passar pelo centro de saúde. Pagou 20 euros, o novo preço por…

o aumento das taxas moderadoras na saúde, em vigor desde dia 1, não dissuadiu olga mira de ir à urgência sem grande necessidade. estava com «um problema no ouvido» e na quarta-feira decidiu ir directamente ao hospital de santa maria, em lisboa, sem passar pelo centro de saúde. pagou 20 euros, o novo preço por entrar numa urgência polivalente.

«isto está mau», diz a cabeleireira de 57 anos, lamentando o aumento da taxa, mas explicando que só assim, com a ida ao hospital, julga resolver com rapidez o problema de síndrome vertiginoso. «não vou ao centro de saúde há três anos, estou sem médica de família», relata, assumindo de imediato: «para ter consulta de especialidade teria de estar à espera quatro ou cinco meses; então decidi vir à urgência».

naquela quarta-feira, passados apenas três dias após o aumento das taxas, a afluência à maior urgência do país era grande.

maria do amparo, de 41 anos, devia estar a trabalhar na unidade de saúde familiar (usf) parque da cidade, de loures, mas o estado de saúde da mãe falou mais alto. a progenitora está entre os sete milhões de portugueses isentos, mas o olhar de maria diz o quanto ela gostaria que tal não acontecesse: «vim fazer o internamento da minha mãe, que vai ter isenção, está em fase terminal».

para esta funcionária pública, que conhece bem os custos reais da saúde, «as taxas já deveriam ter aumentado há mais tempo». desta forma, diz, evitam-se abusos no recurso aos serviços públicos de saúde. desde que as novas medidas entraram em vigor, na usf onde trabalha notou que houve «um decréscimo na afluência».

a experiência tem mostrado a maria do amparo que «há doentes isentos a fazer um uso abusivo» dos cuidados de saúde. e isso é válido para a sua usf, mas também para a urgência do santa maria, onde trabalhou durante 12 anos: «sei que a urgência do hospital é usada abusivamente».

bombeiros contra fim de regalia na saúde

à porta da urgência, o entra e sai de ambulâncias, a constante troca de experiências entre bombeiros. o aumento das taxas moderadoras «não é exagerado, é extremamente exagerado», diz ao sol uma bombeira que, na manhã do quarto dia do ano, fez um transporte até à urgência do santa maria.

«não concordo», retorque um colega bombeiro. «há urgências e urgências e a verdade é que muitas vezes fazemos transportes sem grande justificação», acrescenta.

o bombeiro – que não quis ser identificado, tal como a colega – explica que o agravamento das taxas pode vir a moderar a afluência de pessoas à urgência hospitalar. «há casos de pessoas que nos chamam para os transportarmos até ao hospital porque estão com uma dor num dedo há três dias, outras porque estão constipadas há cinco dias», relata.

os bombeiros, que até ao início do ano não pagavam qualquer taxa, passam a ter isenção apenas na prestação de cuidados de saúde primários – situação que está a criar descontentamento no seio das corporações. «é injusto; muitos somos voluntários e deixámos de ter a única regalia que tinhamos», diz o bombeiro.

uma bombeira de outra corporação acrescenta que as pessoas também estão a procurar menos o transporte por ambulância. quem for sócio daquela corporação da grande lisboa, numa deslocação até ao santa maria, paga 33 euros. os não sócios pagam 55.

«há pessoas que vivem da reforma e que não pagam logo; dizem que depois nos pagam, quando receberem a reforma. o que havemos de dizer? não vamos dizer que não», exprime a bombeira, que acompanhou uma idosa a uma consulta de especialidade.

isabel não vive da reforma. sobrevive com o subsídio de desemprego. a crise económica tirou-lhe o trabalho, retirou-lhe saúde, deu-lhe isenção nas taxas moderadoras. isabel, tal como todos os desempregados, inscritos nos centros de emprego, com rendimento igual ou inferior a 628 euros, não paga os cuidados de saúde. mas, apesar de o agravamento das taxas não a afectar, considera que «o aumento não era necessário». «já pagamos tanto», lamenta.

liliana.garcia@sol.pt