Arranca CEC 2012: Guimarães joga em casa

Na terça-feira, dia da última conferência de imprensa antes do arranque da Capital Europeia da Cultura (CEC), o nevoeiro encobria Guimarães, parecendo evocar a agitada saída de Cristina Azevedo da presidência da fundação responsável pelo programa. As convulsões chegaram a pôr em causa o sucesso do projecto mas, seis meses depois, e apesar do nevoeiro…

o largo do toural (sala de visitas da cidade, entretanto renovada) enche-se de frenesim e montam-se andaimes para o espectáculo de rua (com a colaboração dos catalães la fura dels baus) que marca o arranque do evento, hoje à noite. a abertura oficial decorre no multiusos de guimarães, a partir das 18h, e contará com as presenças de durão barroso, presidente da comissão europeia, e do presidente cavaco silva.

o espaço do centro para os assuntos da arte e arquitectura, onde decorreu o derradeiro encontro formal com os jornalistas, proporciona agora uma melhor metáfora para guimarães 2012 do que o nevoeiro. uma fábrica têxtil abandonada foi convertida por jovens vimaranenses numa estrutura dedicada à criação e que albergará laboratórios de tratamento digital e produção audiovisual, onde serão produzidos 20 novos filmes, dirigidos por realizadores como o decano francês jean-luc godard ou o britânico peter greenaway.

este é o espelho de uma cec que se socorre da prata da casa, das residências e das associações locais para tentar multiplicar meios e deixar sementes para o futuro. a verba disponível para a programação era de 25 milhões de euros (o orçamento global supera os 111 milhões, 70 dos quais destinados a infra-estruturas), mas os cortes na contrapartida nacional reduziram-na para cerca de 21 milhões.

«não trabalhamos numa base especulativa, não haverá derrapagens nem faremos dívidas. a nível de programação, suspendemos alguns projectos que não nos parecem afectar o equilíbrio geral, até vermos se temos condições de os executar. sacrificámos significativamente as disponibilidades da área de gestão», explicou ao sol joão serra, o presidente que sucedeu a cristina azevedo. uma das primeiras decisões foi antecipar o fecho da fundação de 2015 para 2013 e afastar a ideia de gerir equipamentos.

o responsável considerou o orçamento destinado à programação «o mais pequeno da história» das cec, mas a afirmação não é exacta. ao consultar os dados de edições anteriores, verificamos que talin (estónia), em 2011, ergueu o evento com fundos globais estimados em 17 milhões, o que será o valor mais baixo de sempre. por outro lado, copenhaga 1996 gastou 143 milhões de euros na sua programação. como comparação, refira-se que em lisboa 1994 foram gastos cerca de 42 milhões de euros e o porto 2001 fechou contas com despesas de 227 milhões, dos quais apenas 30 foram para a programação.

a cidade das associações

guimarães não surge como cec por acaso: não existe uma contabilidade oficial, mas os habitantes garantem que não há outro concelho com mais associações registadas (só culturais, serão cerca de 250). o cineclube de guimarães é o mais antigo e maior do país, com mais de 800 sócios e uma média de 14 mil espectadores por ano; o guimarães jazz e os festivais teatrais gil vicente, que se realizam desde os anos 50, são pilares que serão incorporados na programação. e foi precisamente a falta de diálogo com a rede de instituições que terá ‘tramado’ cristina azevedo. «houve dificuldades em assumir a contratualização com as estruturas da cidade», – admite joão serra, – e «necessidade de nos reorientarmos para a ideia inicial de que este é um projecto de uma cidade concreta, identitário e de criação. no final, não queremos que se diga que a festa foi linda mas que só ficamos com as saudades da festa». para o futuro ficarão estruturas como a plataforma das artes e criatividade e a casa da memória e o projecto pop up culture, que vai reactivar o comércio e pequenos espaços com intervenções artísticas.

há alguns grandes nomes – como pat metheny, ivan lins, wim mertens, ute lemper, anne teresa de keersmaeker e christian boltanski –, mas a prioridade não foi «comprar espectáculos internacionais», de catálogo. «a programação» – defende joão serra – «tem sido percebida como realista, adequada à cidade e aos meios de que dispomos. uma actuação da orquestra filarmónica de berlim custar-nos-ia um terço do orçamento para a música. preferimos uma orquestra de projecto [fundação orquestra estúdio], que gasta isso num ano. não é uma aposta que façamos de má consciência: os coldplay não vêm cá porque temos outras obrigações».

o presidente da câmara, antónio magalhães, julga que o dia de abertura vai provar que está cumprida «uma etapa fundamental», mas falta ganhar a «guerra». no multiusos, o espectáculo ‘os nossos afectos’ vai ligar a cec à lusofonia, à europa e ao mundo. na rua, os fura dels baus trazem um gigante cavalo articulado, movido por um guindaste, que se vai encontrar com a europa, numa actuação em que estarão envolvidas 200 pessoas. pela noite dentro, dj e exposições animam os bares.

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