«ser maestro faz parte de ser músico e às vezes, subcontrato-me para fazer outras coisas», brinca, enquanto revela que o gosto por esta arte lhe foi gravado no adn pela mãe e pelo pai, músico profissional e um «homem do sopro, um trompetista!». talvez por ter crescido nos bastidores, criou uma série de memórias «muito bonitas da manufactura das artes performativas» e por isso considera que a orquestra foi, definitivamente, o seu primeiro instrumento.
pedro passava horas nos ensaios dos pais, a ouvir ‘agora ficas aqui um bocadinho enquanto nós estamos a trabalhar’, e ele ficava ali, entretido a absorver tudo, a tentar perceber o processo que faz nascer a música. «as pessoas estão habituadas a ir a concertos, mas curiosamente eu só vi um muito tarde porque levei anos em criança a ver o processo e não o produto acabado, e tudo do lado dos instrumentistas e a olhar para o chefe de orquestra», partilha.
aos 18 anos, a carreira estava há muito escolhida. iria tirar o curso superior de percussão. não em portugal, onde o grau académico não existia, mas em londres, na guildhall school of music and drama, onde ingressou como bolseiro da fundação gulbenkian. nessa instituição, o músico encontrou uma actividade artística como nunca tinha visto, já que a escola organizava cerca de três espectáculos por dia. nos corredores ainda se cruzou com um rapaz escocês que, passados uns anos, iria dar nas vistas no cinema, chamado ewan mcgregor, ou com a sua conterrânea beatriz batarda. «a escola dividia o ano lectivo em três trimestres, cada um de 12 semanas, e em cada trimestre promovia pelo menos uma ópera, um musical, inúmeros concertos e peças de teatro. todos os dias, na entrada, havia uma espécie de cardápio com os horários de todos os eventos do dia», explica. e além dos espectáculos havia ainda ensaios, palestras e aulas abertas.
logo no primeiro ano do curso, a sorte bateu-lhe – literalmente – à porta: «um dia, um professor de composição musical bateu à porta do estúdio onde eu estava a estudar e disse: ‘oh tu! és percussionista? preciso de ti! anda cá!’». depois explicou-_-lhe que estava a trabalhar num workshop para alunos de composição musical e precisava de alguém que pudesse marcar os tempos. e foi assim que, durante quatro anos, foi maestro em centenas de concertos de colegas e amigos apenas porque toda a gente sabia: «que ‘o carneiro tem jeito’!». enquanto isso os alunos da direcção de orquestra estavam completamente concentrados a aprender as obras dos grandes mestres e iam apenas dirigindo esporadicamente. o passo seguinte foi integrar definitivamente as aulas desses alunos e concluir o curso de maestro a par do de percussão. seguiu-se milão e paris, entre outras capitais europeias, onde fez várias especializações. acabado o curso, passou a ser ir às várias audições promovidas por melómanos londrinos ricos que organizavam concursos para encontrar jovens talentos musicais. até que acabou na parklane group young artist auditions, que ganhou. o seu prémio foi, nada mais, nada menos, que actuar perante uma plateia atenta num concerto transmitido ao vivo pela bbc.
de regresso a portugal, fundou em 2007 a orquestra de câmara portuguesa (ocp), numa iniciativa conjunta com alexandre dias, teresa simas e o seu pai, josé augusto carneiro. o objectivo foi estabelecerem «um acto de cidadania proactiva, aproveitar o trabalho fantástico que nos últimos 15 anos se fez em portugal no ensino da música e potenciar as centenas de músicos talentosos que não têm oportunidade de tocar nas orquestras», recorda. este projecto assume, como missão, ser um fórum para promover o trabalho de jovens maestros e músicos. no ano passado, a 21 de junho, actuaram em londres, no que foi a sua estreia internacional, e richard morrisson, um dos principais críticos do times, deu-lhes quatro estrelas, num total de cinco, referindo que: «o 2.º concerto para piano de chopin, por cristina ortiz e a orquestra de câmara portuguesa, soou cheio de carácter. depois veio a 1.ª sinfonia de beethoven, qual viagem de montanha-russa a transbordar de adrenalina, sob a direcção resplandecente de pedro carneiro», relembra. o músico orgulha-se da ‘sua’ jovem orquestra ter conseguido convencer um dos mais exigentes críticos europeus, mas reconhece que isso só é possível graças ao trabalho rigoroso feito ao longo dos anos: «ensaiamos seis horas por dia e a minha missão é encontrar formas para cada um dar 400% sem sequer se aperceber!».
amanhã a orquestra sobe ao palco do centro cultural de belém, em lisboa, para um concerto com obras de mozart, haydn e schnittke. «nesta série sobre mozart, pensámos trazer o seu génio não tanto pelo lado que toda a gente conhece, por ter sido paradigma do compositor, com melodias belíssimas, mas o mozart que era um excelente improvisador. aliás, ele era a pessoa ideal para se ter numa festa. era só dizer-lhe ‘toca aí qualquer coisa!’ e ele tocava só com uma mão enquanto bebia três shots de vodka», brinca o maestro.
neste espírito, schnittke foi o escolhido para abrir o concerto com moz-art à la haydn, uma peça semi-encenada que junta um pouco de haydn e de mozart. o espectáculo prossegue com a sinfonia n.º 94, de franz joseph haydn, a surpresa e termina com a sinfonia n.º 41, k 551, júpiter, uma obra «tão genial que já nem pertence ao campo da música, mas ao da literatura», conclui o maestro. e para quem receia as sonoridades mais clássicas, pedro garante: «para gostar destas peças não é preciso saber música. por exemplo, posso dizer se gosto ou não de um edifício sem ser arquitecto…»