O vício português de imolar pessoas

Embora não se deva misturar política e futebol, por vezes há mesmo alguns paralelismos.

os ‘estados de graça’ do governo e do sporting acabaram mais ou menos ao mesmo tempo.

vamos ao primeiro.

a generalidade das opiniões que vou lendo e escutando, desde há dias, convergem nesse sentido por causa das nomeações na edp e na águas de portugal. há, também, um entendimento razoavelmente generalizado de que o primeiro-ministro não teve interferência no processo do conselho geral da eléctrica nacional. há ainda quem admita que o governo (todo ele) não teve influência na decisão (embora, neste caso, as dúvidas sejam bem maiores).

mas, dado o resultado, estamos perante um dos tais casos em que mais valia o governo ter dito qualquer coisa para ‘temperar’ as escolhas…

como é público, os representantes da empresa chinesa afirmaram, sem rodeios, que queriam falar com o governo antes de decidirem, com outros accionistas, sobre a continuidade ou não de antónio mexia.

se o fizeram – e se ouviram a tal resposta de que o governo não queria saber – foi pena que não tivesse sido possível preveni-los contra excessos de cortesia.

como é óbvio, a composição do conselho não seria tão falada se essas funções fossem exercidas sem remuneração – ou, pelo menos, com uma remuneração simbólica, pequena, razoável.

a mais exagerada é, obviamente, a do presidente desse órgão – e mais injustificáveis são as explicações que deu. marcelo rebelo de sousa já aconselhou eduardo catroga a estar calado, e não vale a pena insistir nesse ponto.

o caso da águas de portugal, em minha opinião, é diferente. e só pecou por falta de explicação prévia.

nessa empresa, os indigitados não irão ganhar nem pouco mais ou menos os vencimentos que vieram a lume. terão de se reger pelo novo diploma que estabelece para os gestores públicos, como limite de remuneração, o salário do primeiro-ministro. todos terão de auferir uma remuneração inferior a essa. como é lógico e compreensível.

em portugal, quando há perseguições pessoais, diz-se tudo sobre uma pessoa sem que ela sequer possa defender-se.

eu gosto de estar do lado dos que são muito atacados. assumo, com honra, que sou amigo de manuel frexes desde a faculdade e conheço o seu percurso profissional, desde a pt a macau, ao teatro s. carlos, ao instituto português de comunicações, ao governo de cavaco silva.

como sei que, vivendo há décadas em lisboa, decidiu ser candidato ao concelho de onde é natural (o fundão) depois de muita insistência dos seus conterrâneos e depois de ter recusado, antes, essa possibilidade.

falaram dele estes dias como se não soubesse fazer mais nada. e a história das dívidas da águas de portugal está muito mal contada. também o fundão e outros municípios reclamam dívidas da águas de portugal no valor de várias dezenas de milhões de euros.

a história é, também, a diferença das tarifas que os portugueses pagam pela água consoante vivam em zonas do território com mais ou menos população.

por isso mesmo, pedro passos coelho disse que a questão das dívidas entre a águas e as autarquias está mal resolvida.

quando será que se pára com este vício horrível de imolar pessoas que não merecem ou de criar sucessivos ídolos com os pés feitos de barro?

os ‘estados de graça’ de sporting e governo

não sei se acabou mesmo o ‘estado de graça’ do governo e, em especial, do primeiro-ministro.

mas se tiver terminado é compreensível. já lá vão quase sete meses – e, com uma crise tão profunda, não seria de estranhar que tivesse durado bem menos. mas, repito, vamos ver se se esgotou mesmo o de pedro passos coelho. estou convencido que não.

pedindo desculpa pela comparação, também o ‘estado de graça’ da equipa de futebol do sporting, a crer nas opiniões difundidas, terá já terminado. e, com o da equipa de futebol, terminaria também supostamente o ‘estado de graça’ do treinador domingos paciência.

aqui a questão é, num determinado sentido, mais complexa. no futebol, quando há culpas podem ser contestados o treinador, os jogadores, a direcção ou todos ao mesmo tempo.

como é típico do sporting, já começaram a discutir uns com os outros e já há recados de parte a parte. fazem mal, porque não é caso para isso. nesse aspecto, o governo não ‘abriu brechas’, pelo menos até ver!

e digo que no sporting não é caso para isso porque o treinador é novo no clube, a direcção é recém-eleita, e na equipa há muitos jogadores novos.

também é um pouco como no governo. e se o governo tem tomado medidas muito difíceis, o sporting também tem tido ultimamente resultados muito complicados.

tudo visto e revisto, ao fim da primeira volta o sporting tem os mesmos pontos que tinha o ano passado quando era treinado por paulo sérgio e tinha uma equipa mais fraca.

só que há uma grande diferença: o sporting está a jogar bem melhor e voltou a dar algum gosto ver os jogos em que participa.

aqui, manda o bom-senso dar tempo ao tempo e esperar pela segunda volta. vê-se que a equipa está organizada com lógica e pressente-se que, com o tempo, as coisas vão melhorar. importa, pois, não estragar o que está a ser bem feito. e nada de recados de uns lados para os outros nem de exigir vitórias em cada jogo.

oxalá possamos ter razões para sentir o mesmo em relação ao governo e à situação do país.

ventos de mudança no futebol

esta semana o futebol ocupa mais espaço nesta página. o resultado das eleições para a liga profissional de futebol merece uma referência.

esteja-se ou não de acordo com as causas dos apoiantes da candidatura do presidente eleito, mário figueiredo, a verdade é que sabe bem, especialmente no mundo de hoje, ver as contas saírem ‘furadas’ aos que, sendo mais poderosos, julgam ganhar sempre ou quase sempre.

seja por causa da negociação dos direitos televisivos, seja por causa do número de clubes na 1.ª liga, formou-se um movimento de contestação ou alternativa ao candidato apoiado pelos principais clubes. e esse movimento triunfou.

nas eleições para a federação portuguesa de futebol, a surpresa não se deu por um triz: carlos marta ia, também, estragando a festa a fernando gomes, que acabou por ser eleito. e ninguém nega que possa ser um bom presidente. mas apanhou um grande susto! sopram ‘ventos de mudança” no futebol português.

quero deixar claro que não concordo nada com a proposta do novo presidente da liga de mudar as regras da competição esta época, a meio do percurso.

mudar o número de clubes, a acontecer, só na próxima temporada. quanto aos direitos televisivos e à negociação em bloco, essa é outra conversa e os objectivos são mais compreensíveis.

o resultado que se verificou é uma lição para os que julgam que podem ser sempre os mesmos a decidir, a ganhar e a tirar proveito, muitas vezes injusto, das situações.

as pessoas começam a estar saturadas disso. na política, no desporto, na economia, na sociedade em geral. como se diz nos minutos de reflexão da rádio renascença, «vale a pena pensar nisso».