mas, na verdade, há muito que é claro que cavaco silva não vê com bons olhos a política liberal e pró-merkel de passos coelho. cavaco cresceu, viveu e governou no período em que o estado era o poderoso, o salvador, o pai de todos, a solução dos males do país. passos é de uma geração e, sobretudo, de um grupo ideológico que vê as coisas de outra forma. e, no cenário em que estamos, prevalece a escola liberal, que vê no estado um regulador e não um promotor da economia. mais: passos está a ‘desmantelar’ o estado social, porque um país que não tem dinheiro para pagar as contas não pode dar-se ao luxo de o ter. o estado social do futuro, ou o que restar dele, será para poucos. e, desejavelmente, para cada vez menos.
cavaco lida mal com estas mudanças e, sobretudo, com o facto de não mandar. terá tido um papel importante na questão da madeira, terá sido determinante na concertação social, mas não manda. e o presidente não resiste à tentação de criticar políticas. como não resistiu à tentação de se lamentar sobre a reforma, insultando milhões de eleitores: reformados com pensões miseráveis e a geração que está hoje entre os 30 e os 40 (além das anteriores), que terá sorte se, no fim da vida, tiver como reforma um terço ou um quarto do último salário. os credores dispensam os estados de alma de cavaco. e o país precisa, sim, da sua influência e experiência políticas. sobretudo nos bastidores. não na praça pública, com recados, directos e indirectos, que mostram fracturas inúteis a quem nos deu a mão. e fica a dúvida: andaria cavaco tão crítico se pudesse concorrer a um segundo mandato?
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