‘Passos não ganha eleições com a actual política económica’

Pedro Lains diz que a austeridade está a ser excessiva e mal aplicada e que é necessária uma «inflexão» na forma como os problemas da economia portuguesa estão a ser resolvidos

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quebalanço faz de portugal após um ano com a troika?
o balanço é 75% positivo. o lado positivo é a existência de coesão social na sociedade portuguesa face aos ajustes necessários para se relançar a economia e voltar a um padrão de crescimento mais sustentado e menos dependente de financiamento externo. o balanço é, porém, negativo em vários planos.

quais?
na parte política, o governo actual tem aspectos negativos desde o início. desde logo, as promessas que fez e que sabia serem irrealizáveis. o corte das ‘gorduras’ do estado, que afinal não existiam, ou a libertação da economia do estado, que também não está a ser feita, como se provou com a recente privatização da edp e nomeações para o seu conselho geral, por exemplo. a forma como o executivo está a gerir os custos do ajustamento é outro aspecto negativo. estes custos têm sido pagos pela classe média e pelas classes mais baixas, porque são as que dependem mais do estado e das transferências sociais. a intensidade do ajustamento e o ‘além-troika’ estão a ser excessivos.

a coesão social está ameaçada com a manutenção ou agravamento da austeridade?
sim, mas não acredito que cheguemos a essa situação. passos coelho quer ganhar eleições, mas se continuar a actual trajectória não vai conseguir. é por isso que o psd já está bastante assustado com o primeiro-ministro. em outros países, é normal que os ministros das finanças mudem e não durem uma legislatura inteira.

vítor gaspar pode não aguentar a legislatura?
o ministro das finanças colocou-se num caminho de alguma irreversibilidade, que pode ser resultado de alguma inexperiência política ou de uma questão pessoal. atendendo às suas qualidades técnicas, penso que seria melhor ser o próprio vítor gaspar a comandar a alteração de política económica actual, mudança que é absolutamente necessária. os sinais de insatisfação face à forma como estão a ser distribuídos os custos do ajustamento são visíveis e portugal não está a conseguir fazer o que é necessário só com austeridade, porque é muito difícil ou impossível. tem de haver alguma inflexão no modo como os problemas da economia portuguesa estão a ser atacados.

o governo tem consciência dessa inflexão?
dentro do psd, seguramente sim. no governo, não sei.

surpreenderam-no as declarações de «viragem económica», este ano ‘decretada’ pelo ministro das finanças?
é vítor gaspar um pouco cansado de esperar por novidades e é um síndroma dos ministros em portugal, que estão sempre à espera de melhorias. não há grandes custos políticos em portugal em dizer que o país vai sair da crise no curto prazo e provavelmente até há alguma esperança. dentro do psd, havia pessoas convencidas que os ratings iam descer com a mudança do governo, outros que os mercados iriam reagir positivamente com o acordo da concertação social. os acordos laborais não interessam absolutamente nada às agências de rating. o que lhes interessa é a macroeconomia e saber se a evolução está no sentido desejado.

a forte quebra de receitas na execução orçamental de 2011 é um prenúncio perigoso para as metas do governo este ano?
a quebra de receitas fiscais é o grande risco de 2012. mas, como o governo fez um oe2012 excessivamente cauteloso, até pode acontecer que, no final, sejam melhores. muitas agências internacionais estimam uma contracção da economia superior à do oe2012, o que sinaliza eventuais orçamentos rectificativos este ano. a transferência dos fundos de pensões da banca para o estado foi do outro mundo e é um exemplo de má gestão. a operação era destinada a reduzir um défice que não era necessário e vai agravá-lo em 2012, o que terá de ser compensado. vítor gaspar prometeu ao país que o défice orçamental em portugal ia ser de 0% em 2015. o país agradecia que ele desfizesse esse compromisso e admitisse que o plano não funciona. na austeridade, o grau conta de uma forma determinante.

a melhor opção do governo é pedir à troika o adiamento dos prazos do programa ou a revisão da meta dos défices?
portugal tem de jogar com as dúvidas que a troika e a comunidade internacional têm. a decisão de adiar prazos será tomada pela comissão europeia, fundo monetário internacional (fmi) e banco central europeu (bce), e estas instituições não estão de acordo sobre a melhor solução. o fmi já salientou que demasiada austeridade coloca a retoma em causa e o governo não está a jogar com esse trunfo. o executivo está à direita da troika, é mais bce e bruxelas.vítor gaspar acha profundamente que é com esta austeridade que a situação deve ser resolvida. portugal está na mão de alguém que tem um pensamento um pouco extremo.

seria preferível uma reestruturação da dívida ou um segundo pacote de ajuda?
não sei o futuro, mas sei que a história da grécia nesta crise tem sido a história de portugal. pode fazer sentido a grécia sair do euro, mas não portugal. e não deve. até porque a história económica e financeira portuguesa prova que o país tem conseguido adaptar-se a zonas de taxas de câmbio fixas, enquanto a grécia nem por isso. portugal não regressa aos mercados em 2013 e é provável um segundo pacote. se o quadro for manter portugal no euro e deixar sair a grécia, é preferível que portugal não faça essa reestruturação da dívida. se os dois países se mantiverem na moeda única, então seria melhor portugal avançar para esse perdão de dívida.

luis.goncalves@sol.pt