abandono de pessoas
o problema do abandono dos idosos não é muito discutido no nosso país. quando o é, a discussão é demasiadas vezes sentimental e pouco lúcida quanto às soluções que têm de ser encontradas para minimizar o problema. morar sozinho não é por si só um sinal de abandono da família nem significa que a pessoa esteja isolada. a autonomia na velhice é um bom sinal e não exclui um acompanhamento regular por parte dos familiares e dos membros da comunidade próxima, amigos, vizinhos, etc. a vida de bairro nas cidades ajuda a atenuar os momentos de maior solidão. não são, portanto, todos os casos de idosos a morar sozinhos que interessa discutir. o que é difícil de suportar são as notícias de pessoas mortas há semanas em casa sem ninguém dar pela sua falta. são estes casos que nos devem fazer pensar que não está tudo bem. mesmo que o isolamento seja deliberado, mesmo que o convívio seja mais difícil para alguns, e ainda que não saibamos o que poderá ter levado a um isolamento tão extremo, custa saber que não somos uma sociedade tão solidária quanto devíamos ser e que não estamos a prestar atenção a pessoas que não sabem pedir ajuda. a questão é sensível e merece cuidado.
uma questão de ética
j oan bevan, a mulher do dr. bevan, era uma estranha para ludwig wittgenstein quando o filósofo se mudou para sua casa para morrer. não eram íntimos e o primeiro encontro não correu bem. mrs bevan disse qualquer coisa que pareceu estúpida a wittgenstein, o costume. nos dias seguintes, houve, contudo, uma aproximação simpática entre ambos: ela perguntava sobre pessoas que admirava e ele respondia com o sarcasmo que lhe era característico. acabara de completar 62 anos quando ficou muito doente. mrs bevan mandou chamar os amigos e contou-lhe que chegariam no dia seguinte. o filósofo respondeu: «diga-lhes que tive uma vida maravilhosa». lembrei-me desta história a propósito da lista dos cinco lamentos mais repetidos por moribundos, publicada há dias no guardian. a lista foi feita por bronnie ware, uma enfermeira australiana, especializada em cuidados paliativos. the top five regrets of the dying é o título do livro onde fala sobre a sua experiência com pessoas no leito de morte. o lamento mais comum foi o de não ter tido coragem de viver uma vida verdadeira e de acordo consigo mesmo e não com o que outros esperavam de si. algo que wittgenstein nunca diria.
quando era nova
durante a final do super bowl que reuniu os patriots (pats) e os new york giants (que venceram), o twitter contou 12.233 participações por segundo. durante os 13 minutos e 16 segundos de intervalo preenchidos por madonna, baixou ligeiramente para 10.245 tweets por segundo. é até agora o acontecimento televisivo mais comentado da história do twitter. o super bowl é não só o evento desportivo mais visto da televisão americana, como tem o intervalo mais apetecido e a publicidade mais cara (3,5 milhões de dólares por blocos de 30 segundos). este ano, madonna foi a super-estrela convidada para actuar. mesmo na confusão cénica de alusões a roma e egipto, com uma cleópatra loura, sem marco antónio, seguida de bailarinos vestidos de branco, um número com cheerleaders com pompons dourados e um coro de gospel vestido de preto, madonna foi profissional. deixou a rebeldia para m.i.a, que disse «sh*t» e até esticou o dedo do meio, uma brincadeira que custará à nbc uns 325 mil dólares. madonna foi uma artista correcta, sóbria, e até cantou ‘like a prayer’. como disse o the new york times, tem 53 anos e comporta-se de acordo com a sua idade. ah, saudades da juventude dela…
uma perda
a livraria portugal, localizada há setenta anos em plena rua do carmo, em lisboa, vai fechar portas no último dia deste mês, e até agosto, os proprietários vão ter de decidir o destino da empresa. é uma má notícia para a cidade. embora não tenha sido fiel à livraria portugal, foi ali que em tempos aprendi um detalhe importante sobre a manutenção de livros antigos. foi ali que comprei os dois volumes dos diálogos de amor, de leão hebreu, escritor e filósofo nascido em lisboa, em 1465, que abandonou o país na companhia do pai, na sequência do decreto de expulsão de d. manuel, datado de 1496. eram (e são) dois volumes editados pela própria livraria portugal, na colecção de clássicos cegonha. o primeiro data de 1968 e o segundo de 1972. com a compra, recebi uma sugestão do livreiro sobre como cuidar deste tesouro. para preservar a saúde das páginas amarelecidas pelo tempo, deveria deixar os livros abertos ao ar livre durante uns dias, para prevenir os fungos no papel. assim ficaram na varanda e continuam de boa saúde. com o fecho da livraria portugal acabam também as indicações dos que têm um conhecimento único da profissão de livreiro. é triste.
não vale tudo
r on paul declarou numa entrevista a piers morgan, na cnn, que as mulheres vítimas de violação não devem ser autorizadas a abortar. o candidato republicano acrescentou ao seu argumento o conceito de «honest rape» (ou ‘violação a sério’, que terá como seu contrário ‘violação a brincar’), defendendo que, só nesse tal caso, e no máximo de 24 horas após o sucedido, a vítima poderia tomar a pílula do dia seguinte. passado o prazo, ou se a dita pílula não funcionar, a mulher violada e grávida não terá outra hipótese a não ser carregar o filho da violência. são palavras boçais e difíceis de entender, sobretudo se ditas por um político com a intenção de com isso angariar votos. ron paul usa a doutrina cristã para fins eleitorais. o próprio candidato defende que a vida começa no momento da concepção, o que lhe traz problemas na hora de defender a pílula do dia seguinte. mas o que me interessa saber é como o candidato republicano, defensor da liberdade individual, justifica a interferência grosseira do estado na vontade da mulher violada. a doutrina cristã está preocupada com a sacralidade da vida. os políticos têm o dever de proteger a liberdade individual dos cidadãos.