a adição ou não de fermento também dá forma e sabores diferentes. o primeiro pão fermentado foi descoberto por acaso, quando uma massa sem fermento ou levedura foi deixada ao ar e os microrganismos presentes fizeram o resto.
o pão, como o conhecemos hoje, remonta a quatro mil anos antes de cristo. os egípcios usavam este alimento em trocas e como salário dos camponeses, e os gregos começaram a confeccioná-lo na mesma época. em roma, o seu aparecimento foi mais tardio, tendo surgido 800 a.c., no entanto, foram os romanos que criaram a primeira escola de padeiros.
rico em hidratos de carbono, é um alimento base da dieta de quase todos os povos, e para todos tem um valor económico, cultural e religioso. na bíblia, existem pelo menos 250 referências ao pão.
segundo a organização mundial de saúde, deve comer-se entre 50 e 60 quilos de pão por ano, sendo o uruguai dos países que mais se aproximam deste valor, enquanto cada marroquino come o dobro. aliás, marrocos está no top dos países que mais consomem pão.
em portugal, estima-se que o número esteja um pouco acima do recomendado, mas o consumo tem diminuído e as escolhas do próprio pão têm sido mais saudáveis.
os pães integrais ou mistos são cada vez mais apreciados, os açúcares são menos refinados e o produto final tem mais fibra. um truque para se comer um pão mais saudável é pedi-lo bem cozido – facilita a digestão.
embora a importância deste alimento seja reconhecida, as padarias de bairro são cada vez menos e o hábito de ir ao pão de manhã é raro, em especial nos dias de trabalho. actualmente, é comprado nos supermercados por ser mais prático e rápido.
porém, a inverter a tendência cresce um novo conceito de padarias, com imensas variedades de pão, que podem ser compradas e levadas para casa ou consumidas no local.
o sol foi conhecer o local onde três fazedores de pão amassam a farinha com água e outros ingredientes – da recente padaria/restaurante, à panificação que vende há décadas para hotéis, passando por uma padaria de bairro.
traga a manteiga; o sol acompanha com este pão.
pão nosso de cada dia
em portugal, há mais de cem variedades de pão – da broa de milho do norte ao pão de testa do sul. fresco, quente, torrado, com manteiga ou compota, pode ser comido sozinho ou usado em migas, bacalhau ou sopa.
minho e douro litoral: broa de milho, roseta e broa d’avintes
trás-os-montes e alto douro: pão de bicos, sêmea e pada
beira alta: molete, trigamilha e pão de quartos
beira baixa e beira litoral: regueifa doce, gémeos e padas de ul
ribatejo: caralhotas, passarinhos e pão de coroa
estremadura: sovado, pão de mafra e bico de pato
alentejo: pão das pites, regueifa de arronches e cacete de estremoz
algarve: cabeça tendida e quartos dobrado
açores: bolo lêvedo, rosquilha e pão de água
madeira: bolo do caco, brindeiros e pão de batata
fonte: museu do pão, em seia
um pão com isco
pão tradicional, €4/quilo, na tartine (rua serpa pinto, 15 a – lisboa)
tartine significa uma fatia de pão com alguma coisa por cima. e a partir de agora é também um novo conceito de padaria que abriu no chiado, em lisboa. o nome é francês e o padeiro também, o conceito ganhou forma em nova iorque, mas o sonho e a paixão, esses, são seguramente portugueses – pertencem a isabel e frederico bernardino.
no número 15 a da rua serpa pinto é impossível ignorar o cheiro a pão e a bolos acabados de fazer: palmiers em miniatura, pastéis de nata, folhados com doce de ovos e o seu sugestivo nome, chiado. no entanto, o protagonista é mesmo o pão, seja na hora de o levar para casa, seja quando se come uma sopa ou uma salada, em que a própria tigela é um pão especial.
o segredo da qualidade pode até ser revelado: o sabor, provado e mais do que aprovado, que vem das mãos do tímido francês deve-se à utilização de um fermento natural, o isco.
trata-se de uma espécie de massa que fica a levedar e de onde se vai retirando pedaços para fermentar os pães. este fermento é depois alimentado com mais farinha, podendo, a partir da mesma base, durar centenas de anos.
frederico bernardino conta que conseguiu comprar nos estados unidos um isco que dizem ser «do tempo dos colonos». no entanto, o padeiro não quis usar esse; preferiu o seu. é que gilles galois pode ser tímido, mas também é orgulhoso.
para servir com chá
pão de especiarias, €1,35, na espigasol (rua professor dias amado, lojas 1 b e c – lisboa)
difícil é escolher uma das 28 variedades de pão que todos os dias enchem a prateleira da espigasol, situada em telheiras, há 26 anos.
todas caseiras e feitas ali, graças a josé augusto, padeiro desde o início da primeira loja em lisboa. há pães pequenos para sanduíches, grandes para fatiar e os típicos de diversas zonas do país, como o açoriano ou a broa d’avintes. considerada um dos orgulhos do padeiro, a broa é feita com isco e leva flocos de batata.
outra das especialidades é o pão de especiarias com canela, noz-moscada, erva-doce e leite – é um dos pães mais apreciados pelos fãs de chá, uma vez que ambos os aromas se complementam, com a vantagem de ser um pão que dura bastante tempo.
há quem venha todos os dias da ajuda só para comprar o pão ali, mesmo que não seja por uma especialidade e sim pelas tão vulgares carcaças. josé augusto garante que os clientes voltam pela qualidade e pelo espírito da própria padaria. isto porque sempre que há sobras estas são entregues a instituições de caridade ligadas à câmara municipal de lisboa.
o segredo de salazar
forma especial, fatiada, €2,90, na panificação do chiado (calçada do sacramento, 26-32 – lisboa)
o truque para um bom pequeno-almoço em lisboa pode bem ser a forma especial, um pão feito exclusivamente para salazar, cuja receita foi dada à panificação do chiado por d. maria, empregada do antigo presidente do conselho de ministros.
quando morreu, a receita foi escondida nos livros, onde esteve esquecida durante anos, até ser recuperada para delícia dos clientes que vêm de longe, de propósito, para comprar a especialidade. no entanto, os hotéis são dos que mais encomendam este pão.
doce, fofo e amarelado por dentro, a forma assemelha-se no sabor a um pão-de-leite. a massa é feita por um pasteleiro e não por um padeiro, porque as suas características são mais de bolo do que de um pão.
e se a panificação, quase centenária, não dá as receitas das suas vianinhas e dos seus saborosíssimos pães de sementes, muito menos desvenda o segredo do pão de salazar. que tem muito da d. maria, mas também das mãos de manuel morgado. o pasteleiro, ainda mal a cidade dorme, já está a amassar o pequeno-almoço de muita gente.