Cinco Sentidos

Whitney Houston era a digna sucessora de vozes únicas. Era uma Aretha Franklin mais bonita e elegante. Nem Christina Aguilera, nem Beyoncé, nem Mariah Carey fazem parte dessa linhagem.

salada de frutas

quando o presidente do parlamento europeu, martin schulz, fez as declarações que indignaram jornalistas e políticos portugueses, não percebi o escândalo. estamos na europa para o bem e para o mal, até que a bancarrota nos separe. assim, tal como criticamos a incompetência da merkel, o desapego da finlândia, a submissão do sarkozy ou a indiferença britânica, também podemos ser criticados pela nossa diplomacia interesseira. mas a indignação geral acabou por passar ao lado das referências históricas mencionadas, essas sim, tolas. schulz lembrou a ligação de portugal e angola e meteu no mesmo saco ‘colónia, guerra colonial, país destruído, guerra civil’. não satisfeito, rematou com a frase: «tenho ainda a noção de que essa guerra colonial ajudou a derrotar o regime fascista em portugal, mas tendo sempre presente que portugal é a antiga potência colonizadora». a cereja no bolo é a enumeração de acontecimentos ter sido feita por um alemão. se há país europeu que deve ter tento na língua quando quer usar a história como agravante é a alemanha. já agora, se não fosse estaline, não teria havido hitler. graças a ele, temos agora uma alemanha democrática. olha, duh!

apolo é bom

mary beard, professora de estudos clássicos em cambridge e editora do times literary supplement, escreve na sua página online, ‘a don’s life’, um artigo sobre a decisão recente de as autoridades gregas terem baixado os preços de aluguer para filmagens nos seus locais arqueológicos: em vez dos 4 mil euros cobrados por dia para filmar na acrópole, o valor passará a ser de 1.600 euros diários. mary beard desconfia da bondade dos valores e adverte os interessados para um problema inesperado. além dos milhares de euros que custará a iluminação e a sonorização destes locais, o argumento do filme ou do anúncio terá de merecer a aprovação das autoridades gregas. explica a autora que se for detectada uma interpretação menos favorável dos deuses gregos, por exemplo, é provável que o dito filme ou alegado anúncio não cheguem a ser vistos por ninguém. os gregos são sensíveis com as suas origens antiquíssimas e não estão para ouvir disparates sobre apolo, mesmo que o autor das palavras tenha sido o próprio homero. mary beard chega a recomendar aos cineastas que levem a ilíada debaixo do braço para as reuniões com os revisores. um povo assim merece melhor sorte.

e agora?

correu a notícia de que o corpo de whitney houston cedera ao excesso de soníferos na banheira de uma casa de banho de um hotel de luxo em beverly hills. podia ter morrido asfixiada no próprio vómito, como jimi hendrix, ou sufocada com a tampa de um frasco de colírio, que tentara abrir com a boca, como tennessee williams. ou ainda, deitada na cama, adormecida para sempre, como amy winehouse. a estrela terá morrido, não afogada, mas com uma overdose de comprimidos receitados pelo médico misturados com álcool. whitney houston não era só mais uma grande cantora: era a digna sucessora de vozes únicas, como as de chaka khan ou dionne warwick. era uma aretha franklin mais bonita e elegante. nem christina aguilera, nem beyoncé, nem mariah carey fazem parte da linhagem nobre de grandes vozes femininas do rythm and blues e da soul: são boas vozes, mas aparecem no mundo desligadas desta história. basta vermos que só whitney houston cantou o clássico de chaka khan, ‘i’m every woman’. e merece bem a grandiosidade e a bazófia expressas no tema. a família dos vozeirões com alma ainda não nos deu uma sucessora à sua altura. e, por favor, não me falem da adele.

direitos adquiridos

o filósofo peter singer e a bioquímica agata sagan escreveram um artigo assustador no opinionator, uma secção online do the new york times. aí afirmam que, visto estar comprovado que a química do cérebro afecta a conduta das pessoas, se descobríssemos a fórmula para uma pílula que melhorasse a nossa conduta moral, não devíamos hesitar em usá-la. se o nosso comportamento for bom, não interessa se é natural ou medicamente induzido. seria então desejável saber que pessoas têm uma descompensação química que as leva a ser homicidas, por exemplo. o conhecimento seria útil, porque a propensão poderia ser controlada mediante a toma da tal pílula da moralidade. a probabilidade parece confirmar aqueles livros de ficção científica em que existe um mundo normalizado que acaba mal. por outro lado, temos antecedentes na lei que estão mais ou menos relacionados com esta ideia de prevenção. um médico pode denunciar um paciente que lhe confesse a intenção de cometer um crime. uma pessoa com tendências violentas pode ser internada compulsivamente. a questão é saber se temos o direito de obrigar as pessoas a ser boas. e, mais ainda, se temos esse direito, por que razão o temos.

e agora?

c orreu a notícia de que o corpo de whitney houston cedera ao excesso de soníferos na banheira de uma casa de banho de um hotel de luxo em beverly hills. podia ter morrido asfixiada no próprio vómito, como jimi hendrix, ou sufocada com a tampa de um frasco de colírio, que tentara abrir com a boca, como tennessee williams. ou ainda, deitada na cama, adormecida para sempre, como amy winehouse. a estrela terá morrido, não afogada, mas com uma overdose de comprimidos receitados pelo médico misturados com álcool. whitney houston não era só mais uma grande cantora: era a digna sucessora de vozes únicas, como as de chaka khan ou dionne warwick. era uma aretha franklin mais bonita e elegante. nem christina aguilera, nem beyoncé, nem mariah carey fazem parte da linhagem nobre de grandes vozes femininas do rythm and blues e da soul: são boas vozes, mas aparecem no mundo desligadas desta história. basta vermos que só whitney houston cantou o clássico de chaka khan, ‘i’m every woman’. e merece bem a grandiosidade e a bazófia expressas no tema. a família dos vozeirões com alma ainda não nos deu uma sucessora à sua altura. e, por favor, não me falem da adele.

eterno feminino ide

há coisas que não mudam. perante a evidência, temos duas possibilidades: ou tentamos perceber o que não muda e porquê ou passamos o resto do tempo de dedo em riste na actividade inútil de amaldiçoar o que sempre foi assim. vem isto a propósito do comportamento tipicamente feminino que tem como prioridade apoiar o marido, independentemente das suas circunstâncias. sou solidária com séculos de mulheres leais aos seus maridos porque os amavam. o problema é quando o marido se chama, por exemplo, joseph göbbels. a sua mulher, magda, foi tão leal que matou cada um dos seis filhos com cápsulas de cianeto para que não fossem capturados. deixemos os alemães. asma al-assad nasceu em inglaterra, é muçulmana sunita, foi educada no prestigiado king’s college de londres e é a mulher do presidente sírio bashar al-assad. abriu a boca há pouco tempo para manifestar o seu apoio ao marido no conflito sangrento que se prolonga há quase um ano na síria e nos bombardeamentos à cidade de homs. o fanatismo e a violência andam de mãos dadas. é até frequente casarem e terem filhos. quem esperava outras palavras de asma, sabe pouco de matrimónio e lealdade. e de mulheres.