o autor de o anibaleitor começou por jurar dizer a verdade, e nada mais que a verdade, durante os dez minutos que se seguissem. e os dez minutos que se seguiram foram feitos de risos, provocações e literatura, tão à maneira de zink. «eu não tenho prazer na escrita», garantiu, sublinhando que a escrita é o seu trabalho. «eu escrevo porque deus me amaldiçoou com este enorme talento».
lembrando o mito de ulisses e penélope, o escritor notou que são muitos os autores que se vêem como ulisses. mas zink foi peremptório: «o escritor não é ulisses. o escritor é penelope, que fica em casa, cheia de paciência, a tecer». «nós não estamos a viver uma aventura, estamos a narrar a aventura que o herói viveu».
para quem ainda não estava convencido, apegando-se à ideia romântica do escritor cujo maior prazer que tem na vida é viver, zink mostrou o porquê de a literatura e prazer serem perfeitos opostos: «camões só escreveu o soneto para a amada porque a amada estava longe. se ela estivesse com ele, camões não teria feito poesia, teria tido prazer».
de seguida, o autor decidiu partir para o campo pessoal e narrar algo que lhe tinha acontecido. depois de informar que estava hoje, precisamente, a comemorar o aniversário de um longo casamento, contou como, um dia, sozinho em lisboa, por ausência da mulher, encontrou uma rapariga, que com ele meteu conversa. e zink disse que, visto que a mulher estava a fora, a convidou para sua casa, e a levou para o seu quarto. e já estariam os dois sem roupa quando se ouve a chave na fechadura. a mulher tinha antecipado o regresso. e foi essa a «única vez que a literatura me deu prazer», informou a plateia. «disse à minha mulher: isto não é o que parece. estou a escrever um romance sobre a infidelidade. esta moça está-me a ajudar a fazer trabalho de campo. a minha mulher, que respeita muito o meu trabalho, percebeu perfeitamente e foi-se embora».
o relógio não engana: entre camões, penélope e ulisses, os dez minutos durante os quais zink tinha jurado falar verdade há muito já tinham passado.