o juiz que lê
n o início da sexta temporada, dexter comenta, só para nós ouvirmos, que um homem talvez seja capaz de mudar; um monstro, não. thomas willmore, juiz num tribunal do utah, parece ter apostado na primeira ideia ao adoptar uma estratégia original para reabilitar jovens que tenham cometido o primeiro crime. além da pena de prisão, o juiz willmore dá livros aos condenados e pede-lhes que escrevam e lhe mostrem uma página ou duas sobre o livro que acabaram de ler. a obra que mais recomenda é, nem de propósito, sobre um caso de reabilitação: les miserábles, de victor hugo. willmore não é ingénuo ao ponto de acreditar que uma pessoa mude de comportamento por causa de um livro, mas as redacções que lhe chegam indicam que a reflexão sobre a própria condição do preso e o acto cometido, que o levou à cadeia, tem efeitos benéficos nalguns criminosos. parece claro que o que importa não é apenas a leitura feita pelo preso, mas o facto de pensar sobre o que lê, escrevendo sobre si. ainda por cima, tem como leitor privilegiado aquele que lhe deu a oportunidade de se reabilitar. tiremos duas conclusões: precisamos de juízes que leiam e não é a leitura que salva. é o estudo.
i (um símbolo coração)smash
em miúda, a minha actividade preferida ao domingo à tarde não era andar a correr e a brincar: era ficar a ver musicais na televisão. ainda hoje, assisto maravilhada à possibilidade de se começar a cantar e a dançar no meio das conversas. mas a época de ouro dos filmes musicais acabou, e agora só me restam as séries de televisão. há pouco tempo, vibrei com glee, porque, de certa forma, se aproximava da realidade que me proporcionara tantas tardes de prazer. mas não era bem um musical e acabou por se tornar demasiado liceal para o meu gosto. o género musical é sério e adulto. parece fácil porque é estruturado ao pormenor. parece espontâneo porque vive da disciplina. é feito por produtores e compositores tiranos e animado por estrelas dependentes das luzes da ribalta. é a intensidade do talento e do trabalho que torna os musicais inesquecíveis. está longe de ser tarefa fácil e ainda menos em episódios televisivos. mas há uma esperança com smash, no tvséries. a série produzida por steven spielberg conta a história da produção de um musical sobre marilyn monroe. há duas candidatas ao papel principal. o primeiro episódio mereceu palmas. devia dar todos os dias.
propaganda em bronze
carla bruni-sarkozy vai ser imortalizada numa estátua de bronze de um metro e noventa. a ideia partiu do presidente da câmara de nogent-sur-marne, jacques martin, que quer fazer da mulher de nicolas sarkozy uma plumassière, ou operária nas fábricas de penas da zona. a ideia seria homenagear a comunidade italiana ali residente, com a figura em bronze de uma sua conterrânea. como se não fosse tudo já suficientemente ridículo, está previsto que metade dos custos da dita estátua seja paga pelos contribuintes. o valor total da obra de propaganda política será de 80 mil euros. a oposição socialista não teve dificuldade em criticar a medida: carla, com todo o respeito, terá visto mais penas de avestruz na passerelle do que em qualquer fábrica. se a estátua da operária carla for construída, estará pronta em maio, altura em que sarkozy terá perdido as eleições. chegará tarde a propaganda feita em bronze. só espero que, como na hipótese inventiva de alasdair macintyre, em after virtue, o mundo não acabe entretanto e fique o bronze da bruni para quem virá depois. novos habitantes do planeta ainda podiam pensar que suava dia e noite para dar de comer aos filhos.
«’allo ‘allo!»
a decisão de condenar jean-marie le pen, o ex-líder idoso do front national, em 2009, a três meses de pena suspensa e a uma multa de dez mil euros, por contestar crimes contra a humanidade, foi confirmada por um tribunal de recurso em paris. recordemos que em frança, e não só, negar o holocausto é um crime grave. em 2005, le pen afirmou a uma revista de extrema-direita, que a ocupação nazi em frança não fora particularmente desumana, apesar de ter havido excessos, naturais, aliás, num território com 550 mil quilómetros quadrados. não falemos da estupidez profunda inerente a qualquer extremismo. mas é espantoso que, para desculpar a crueldade do nazismo, le pen não hesite em enterrar o seu próprio país na lixeira da história. os alemães não foram desumanos em frança porque os franceses colaboraram com os nazis, que foram razoáveis e civilizados durante a ocupação? porque os setenta mil judeus franceses deportados não contam? porque os milhares de mortos por retaliações são irrelevantes? independentemente da resposta, le pen não vacila na hora de sacrificar a frança para defender o lixo em que acredita. depois dos estalinistas, só nos faltava mais este.
mulheres entediadas
li na edição online da revista the atlantic que o irão conta com 3.500 praticantes femininas de ninjutsu. a modalidade, que difere do judo ou do karaté, foi promovida no cinema com os temíveis ninjas, assassinos especializados em entrar furtiva, silenciosa e mortalmente em sítios onde se encontravam as futuras vítimas. o ninjutsu também pode ser praticado como uma dessas técnicas de luta orientais que são vendidas como uma forma de se purificar, ter controlo e consciência do mistério da existência. seja como for, a questão abordada no artigo era a de que as mulheres iranianas, fartas de serem controladas e tratadas «como crianças», decidiram dar o grito do ipiranga na prática desportiva. também organizaram equipas de rugby e futebol feminino e tentam tudo para participar em competições internacionais, como os jogos olímpicos. o autor do texto vê as iniciativas com optimismo e como um acto de revolta contra um regime que exclui as mulheres de qualquer actividade relevante e que justifica a sua misoginia com as palavras do corão. a pergunta é se a hiperactividade desportiva é mesmo um acto de rebelião ou uma maneira de matar o tédio a que os aiatolas lá do sítio as condenaram.