Considerações sobre a Alemanha

«Não vimos que se erguia um Estado e um povo cujas concepções não se pareciam com as do resto do mundo. Já então, sob a influência dos seus líderes políticos e espirituais, a Alemanha pensava historicamente.

depois de longos anos de divisão e de impotência, via o recomeço do seu destino. rebaixada, reduzida à condição de ‘mosaico fragmentado’, enquanto os outros estados cresciam, se serviam, adjudicavam as melhores partes, a alemanha tinha decidido por si própria conquistar o que tinham conseguido aqueles que se tinham unido e constituído antes dela. o erro da europa foi considerar a restauração do império germânico (este foi o termo utilizado intencionalmente pelo rei prussiano) como fim, como a expansão final da ideia que tinha levado o povo alemão a unir-se.

mas foi pelo contrário, o princípio de uma era em que as antigas potências europeias iam ter que lutar para defender a sua independência, as suas possessões, as suas riquezas, a sua situação adquirida contra as cobiças dos recém-chegados. por que os alemães, chegados à unidade, ascendidos ao poder, consideravam-se as vítimas de uma injustiça histórica.

ainda não tinham bastante. e também se persuadiam que, depois das vitórias, depois destas guerras felizes em que a força, ao serviço de uma organização racional, lhes abrira o futuro, não tinham nenhuma ambição a que não tivessem direito» (1).

a citação é longa. e também é capaz de ser em parte injusta, como toda a transposição sibilina de considerações históricas.

é da histoire de trois générations de um grande e popular historiador francês – jacques bainville. bainville formou, com charles maurras e léon daudet, o trio de maîtres à penser que dominou o combate cultural nacionalista-conservador em frança, entre 1900 e a segunda guerra mundial. se maurras era o chefe, o polarizador, o pensador político que encarnou todo o bem e todo o mal e para além do bem e do mal da direita, e daudet o jornalista polémico, o fundibulário de serviço à cruzada contra-revolucionária, bainville foi o realista, o geopolítico, o homem da história e da geografia, que reflectiu sobre os mapas do tempo e do espaço, que pensou o estado entre os outros estados.

a sua obra mais popular é a histoire de france, com dezenas de edições em frança e traduções em oito línguas. nos escritos políticos e geopolíticos agora reunidos, há a obsessão da alemanha – bismarck, histoire de deux peuples, histoire de trois générations, les conséquences politiques de la paix. a reunificação da alemanha, a guerra franco-prussiana e a derrota da frança, a grande guerra e a derrota da alemanha, a paz em 1871, a paz em 1919, os anos de weimar e o triunfo de hitler – são os temas de bainville. um realista (no sentido de um adepto de racionalidade do real) e um pessimista antropológico, bainville equacionou a ‘questão alemã’ nos termos que aqui transcrevemos.

sempre que a alemanha se une, fica muito grande, demasiado grande para a europa. para evitar uma coligação negativa, propõe aos (outros) europeus um projecto global para enfrentar os desafios que vêm de fora – do oriente, ou do ocidente, da rússia, da china, da américa.

foi o que tentaram os weltpolitiker de 1900 – um dos quais max weber; foi o que tentou hitler, a partir do momento em que a guerra deu para o torto, unir os europeus contra o capitalismo (por suposto ‘judeu’) norte-americano e o bolchevismo asiático. tem sido o esforço de bona e berlim para unirem a europa.

hoje, sem política mundial possível, com os novos poderes industriais dos bric que poderiam fazer os alemães senão disciplinar os sulistas, os latinos, os eslavos, a trabalhar duro e pagar as dívidas sob a vigilância de troikas e governos?

(1) jacques bainville, la monarchie des lettres, histoire, politique et litérature, p.p. 294-295, robert lafont, paris, 2011.