na terça-feira, a europa mudou de leitura, ou pelo menos, estará prestes a mudar. a tragédia grega, que há meses tem ocupado as atenções dos líderes europeus, poderá ser substituída pela ‘teimosia’ irlandesa em referendar qualquer decisão vinda da europa, e que em algum ponto possa afectar a sua soberania nacional. algo que, de resto, está inscrito na sua constituição.
e foi este mesmo o motivo com que enda kenny, o primeiro-ministro irlandês, justificou a decisão de convocar mais um referendo no país, cujos efeitos mais notórios, lembre-se, foi o ‘não’ com que 53,87% dos irlandeses brindaram o tratado de lisboa, em junho de 2008.
teme-se agora que os irlandeses possam chumbar o acordo impulsionado, em dezembro, pela alemanha de angela merkel, e que visa apertar a política fiscal dos 17 da zona euro e as restantes nações da ue. em suma, o acordo intergovernamental e fora da esfera comunitária – face ao veto do reino unido de cameron -, visa impor, entre outros, um limite de 3% para o défice de cada país, sob o risco de enfrentar as previstas consequências económicas, que serão impostas por instâncias europeias caso exceda esse limite.
mais um com o futuro em jogo na ue e zona euro?
mas o principal receio prende-se com as implicações que um ‘não’ trazer à irlanda no mapa geopolítico europeu.
as mais evidentes seriam, numa primeira análise, económicas. caso a população irlandesa decida arrastar o país para fora do pacto fiscal, a irlanda ficaria igualmente afastada da possibilidade de aceder ao mecanismo europeu de estabilidade (esm), instrumento de resgate financeiro que, com o acordo, vai substituir o actual fundo europeu de estabilidade financeira (efsf).
tudo porque uma cláusula alemã, inscrita no pacto, impede que qualquer país que não tenha aderido ao acordo fique impedido de aceder ao esm que, quando estiver totalmente operacional, se prevê que venha a ter uma capacidade de resgate a rondar os 500 mil milhões de euros, adiantou a cnn.
mas o governo irlandês acredita que o país não precisará de um novo resgate financeiro, além dos 85 mil milhões de euros que a ‘troika’ – fmi, ue e bce -, emprestou em novembro de 2010. mesmo que a irlanda consiga encarrilar a sua economia no caminho estável da recuperação, um ‘não’ ao pacto fiscal pode minar as hipóteses do país em regressar aos mercados, como sublinha um colunista do irish times, face à desconfiança que o ‘não’ geraria nos investidores externos.
o risco aumenta tendo em conta, como o mesmo jornal lembrou, que as empresas mais fortes a actuar na economia irlandesa são detidas por capital estrangeiro, e são essas empresas que perfazem quase 90% das exportações do país, um ramo que detém um grande peso no pib (produto interno bruto) e na economia irlandesa.
a preparação do referendo deverá alongar-se por um período a rondar os três meses e, portanto, a consequência imediata será o adiamento da aprovação do pacto fiscal, originalmente prevista para março.
resta esperar pelos resultados do referendo, onde «os irlandeses terão de votar num tratado que só a alemanha queria».