numa circunstância como a que portugal vive, é compreensível o aprofundamento das questões estratégicas e a atenção ao que é estrutural. isso ainda mais se exige numa pátria com oito séculos e meio de história.
às forças armadas e às universidades devo juntar – por convicção fundada num maior conhecimento – o papel das misericórdias. para além, naturalmente, do lugar da igreja.
o estado português, tão antigo na sua identidade e na sua soberania, precisa de robustecer os seus pilares. não faz sentido desconsiderar ou menorizar o estatuto de cada uma dessas instituições. elas têm procurado subsistir para lá das turbulências que temos vivido ao longo da nossa história.
as forças armadas cuidam da existência da pátria, as universidades asseguram a formação, as misericórdias apoiam os cidadãos nas provações.
juntemos outra verdadeira instituição que, frequentemente, tenho salientado nestas páginas: a nossa diplomacia.
a política externa e a política de defesa são elementos identificadores dos estados verdadeiramente soberanos – e é aí que estes se distinguem dos estados que têm outra natureza (como os estados federados dos eua ou do brasil). e é, também, o que quase não tem a união europeia, onde a política externa é muito incipiente e a política de defesa não existe.
relembro estes conceitos para frisar que não pode ser esquecido o papel do nosso corpo diplomático.
muito se fala nas forças armadas como garante da independência nacional, mas quantas foram já as ocasiões na nossa história em que os nossos diplomatas asseguraram a defesa dos nossos interesses estratégicos vitais quando, militarmente, estávamos em posição desfavorável?
recordemos os anos da ocupação filipina; depois os bastidores da conferência que levou à assinatura da paz de vestefália, em 1648; mais tarde a ida da corte portuguesa para o brasil, em 1807, na altura das invasões napoleónicas. para já não falar dos tempos mais recentes, como as guerras mundiais, a descolonização ou a independência de timor-leste. sem esquecer a escolha de portugal e de cidadãos portugueses para elevadas responsabilidades no plano internacional.
universidades, misericórdias, diplomacia
as universidades, no âmbito da sua autonomia, vão lutando para garantir o funcionamento e o cumprimento das obrigações de modo cada vez mais independente do estado.
preparam a concretização de processos de fusão e estabelecem cada vez mais ligações a networks internacionais; dão origem a microempresas que actuam em contra-ciclo económico na área das novas tecnologias; contribuem para a diversificação das nossas exportações; estimulam a investigação; promovem talentos que surpreendem o mundo.
o espírito fortemente empreendedor e a inteligência eficaz dos reitores das principais universidades não podem ser coarctados pela aplicação de normas jurídicas destinadas à administração pública mas absolutamente inadequadas para quem pretende trabalhar no regime próprio de fundações independentes do estado. não se lhes pode dizer para irem à procura de receitas, de meios próprios de subsistência – e, depois, querer que fiquem abrangidas pelas normas de cativações ou autorizações do estado central.
as universidades, no mundo de hoje, não podem mais trabalhar assim. querem ser livres na responsabilidade.
recentemente, o governo deu notícias sobre a relação com as misericórdias portuguesas (não falo da santa casa da misericórdia de lisboa), regularizando apoios atrasados, anunciando novas partilhas de responsabilidades com estas entidades que tantas vezes se substituem ao estado, sem alardes nem reivindicações. lembram tão-só – quando têm de o fazer – aquilo que lhes é devido por compromissos anteriormente assumidos.
entretanto, na frente diplomática, várias foram as medidas decididas e divulgadas que abrangeram a reformulação da rede de embaixadas e de consulados, bem como a importante reorganização da chamada ‘diplomacia económica’.
medidas que procuram, no primeiro caso, mais contenção na estrutura e no funcionamento – e, no segundo, maior eficácia na promoção dos produtos e das exportações portuguesas, bem como do investimento estrangeiro em portugal.
portugal está no bom caminho
em tempo de grandes dificuldades, portugal precisa de novas verdades. mesmo que assentes em sabedoria antiga.
misericórdias (nomeadamente as da união), universidades, diplomacia, todas têm estado em processo de adaptação dos papéis e estatutos que detêm na sociedade portuguesa. por isso mesmo, as forças armadas não podem estranhar que tenham de viver o mesmo processo.
no mundo de hoje quase tudo está em equação, em causa, em controvérsia. num continente consumido pelo endividamento, é compreensível que as comunidades examinem todas as parcelas das suas despesas, incluindo as mais nobres.
o que se torna dispensável são frases menos abonatórias para quem tem responsabilidades, a diferentes níveis, em temas tão importantes. a elevação do nível do debate é tanto mais exigível quanto mais respeitável for a matéria.
a propósito do que é importante na sociedade portuguesa, falava-se no relevo dado, antes do 25 de abril, à trilogia ‘fátima, fado, futebol…’ ora essas realidades têm-se vindo a firmar no pós-25 de abril: o fado tornou-se património imaterial da humanidade, o futebol português, de certa maneira, também, e fátima mantém a pujança, embora exista noutro plano.
por aí não temos problemas. e cada vez mais nos destacamos na investigação científica, como ainda recentemente se provou com grandes distinções internacionais. para além da cultura, ainda há dias distinguida, na área do cinema, no festival de berlim.
no que depende de artistas e desportistas, vamos, pois, muito bem. agora temos de tratar de medalhas e prémios com o estado e das novas prioridades: mar, zona económica exclusiva, fiscalização marítima, forças armadas, investigação, universidades, qualificação, criatividade, inovação, diplomacia, promoção, exportação, misericórdias, solidariedade intergeracional, estado menor e melhor.
temos grandes dificuldades, discutimos algumas novas oportunidades, precisamos, como disse, de novas verdades. que sejam as tais novas prioridades.
mais do que de uma agenda para o crescimento, precisamos de uma agenda para a modernidade. e de mais e melhor produtividade.
o ciclo que pedro passos coelho simboliza constitui, em alguns aspectos, uma aproximação a essa agenda. é inquestionável que está a pôr em causa o estado velho e insiste em ser consequente. é um progresso. como sabemos, o nosso problema não está na temeridade, está na persistência.
os militares, os diplomatas, os investigadores, os criadores estão habituados a ter muita paciência. para não falar da igreja.
é importante o trabalho que acertámos com a troika. mas, mais importante ainda, é aquilo que é nosso e que nenhuma troika do mundo pode entender. só nós é que sabemos.