Cinco Sentidos

O ‘digitus impudicus’, que apareceu primeiro na Grécia Antiga e depois em Roma, acabou por se tornar tão comum que o seu intento perdeu força.

um vestido dramático

a inda me lembro de haver pouco que falar sobre o desfile de vestidos na passadeira vermelha na noite de entrega de óscares. havia um ou outro deslumbrante, mas a maioria deixava bastante a desejar. o final dos anos 80 e grande parte dos 90 não foram esteticamente benignos. felizmente, parece haver uma tendência cada vez maior no sentido de sofisticar as apresentações femininas no evento. e tudo é estudado ao pormenor, a começar pelo efeito do vestido no fundo encarnado escuro da passadeira. é uma explicação para os vários vestidos brancos, como o delicado givenchy de rooney mara, o tom ford fashion de gwyneth paltrow, e o valentino arrebatador de shailene woodley. o dourado também resulta bem no contraste com o encarnado. vimo-lo na ‘namorada’ de george clooney e em meryl streep, que foi vestida de óscar. mas após uma reflexão ponderada sobre o versace ‘like!’ de angelina jolie e o giambattista valli ‘duplo like!’ de emma stone, decidi que o melhor vestido de todos foi o alexander mcqueen dramático e difícil de jessica chastain. parece um vestido sem alças nem nada de muito especial na forma. nada como a simplicidade que demora a pensar e a fazer.

comi a minha batata

desde que a união europeia impôs medidas normalizadas para os legumes que não via nada parecido. apareceu no meio do saco das batatas, uma maior com um formato que fazia lembrar um patinho de brincar. rimo-nos com aquilo, chamámos-lhe batata pato, numa homenagem frívola a wittgenstein, e tirámos a fotografia da praxe. há dias li uma notícia no site da artinfo sobre um mcnugget encontrado numa refeição de 99 centavos, que parecia a efígie de george washington. a proprietária oportunista do bocado de frango panado pô-lo à venda no ebay com uma base de licitação de 100 dólares. o readymade mcnugget chegou aos 356 dólares. ao contrário da batata pato, o panado washington requer instruções. dificilmente me lembraria do perfil do presidente dos estados unidos se o texto não desse as indicações para a verificação. o mais curioso é o reconhecimento ser possível a partir de um retrato de george washington feito com uma bandeira dos estados unidos por marcel duchamp, para a vogue, em 1943. o panado é parecido com o retrato, tal como a batata pato o era com um patinho de borracha. nenhum é uma obra de arte, mas o mcnugget foi vendido como se fosse. mas que grande aldrabice.

brigitte é feliz

henry jean-servat, curador de uma exposição de fotografias de brigitte bardot, em los angeles, conta à vanity fair a sua visita à casa da estrela francesa. aos 77 anos, brigitte bardot vive com o marido em la madrague, uma propriedade em st. tropez, que comprou em 1958. retirada do cinema em 1973, no auge da carreira, não queria acabar como marilyn monroe ou romy schneider. recusou papéis ao lado de frank sinatra e marlon brando, porque não estava interessada em ser o que não queria. queria ser franca, sincera e directa, como era no seu quotidiano. o seu trabalho não o permitia, nem era escandalosa como queriam, por isso abandonou a arte da representação. desde 1977, que brigitte bardot tem vindo a desenvolver um trabalho notável no que respeita aos direitos dos animais. vive em dedicação exclusiva à causa por que se apaixonou. conta a dada altura que há dias vira e deus criou a mulher, e que não se reconhecera naquela mulher. achou que «a rapariga não era má», mas garante que não dedica um minuto da sua vida ao seu passado. tem mais em que pensar, por isso não se preocupa com a velhice. além de uma bela mulher, bb faz a diferença de ser inteligente.

 ‘digitus impudicus’

s eparados por pouco tempo e bastante espaço, tivemos dois dedos do meio esticados na televisão. primeiro foi a cantora m.i.a., que, na performance com madonna no super bowl, se deixou levar pela rebeldia gestual. agora foi a vez de adele a fazer o mesmo, por causa da interrupção brusca feita ao seu discurso de agradecimento nos brit awards. as reacções foram observadas por stuart jeffries, no guardian, que defende que o gesto perdeu o impacto. o exemplo de adele serviu para sabermos que as desculpas vieram da organização da cerimónia de entrega dos prémios e que a cantora não se desculpou pelo gesto. sobre m.i.a., a estação apresentou as suas desculpas (para se livrar da multa) e o gesto poderá estar protegido pela liberdade de expressão. ‘flipping the bird’’ significa originalmente virar o pássaro para lhe ver os genitais. mas o ‘digitus impudicus’, que apareceu primeiro na grécia antiga e depois em roma, sobretudo nas comédias, acabou por se tornar tão comum que o seu intento perdeu força. ao contrário das injúrias ditas e escritas, não é mau que um gesto com mais de dois mil e quinhentos anos faça parte das afrontas do quotidiano. o gesto é feio, mas não é tudo.

pobres e felizes

uma sondagem realizada pela ipsos em 24 países quis saber se os 19 mil adultos inquiridos se consideravam ‘felizes’, ‘muito felizes’ ou ‘nem por isso’. as conclusões reveladas pela the economist são surpreendentes. os quatro primeiros países na lista de gente ‘feliz’ e ‘muito feliz’ são a indonésia, a índia, o méxico e o brasil. as respostas contrastam com as expectativas dos que acreditam que o nível de bem-estar económico é decisivo para a felicidade das pessoas. a realidade de gente pobre ser feliz não convence a maioria dos cidadãos no mundo civilizado. no entanto, os números indicam que se pode ser ‘muito feliz’ com pouco. o pessimismo dos países industrializados também existe nos mercados emergentes, mas não é tão exuberante. até no japão, apesar das catástrofes, o número de pessoas que se diz ‘muito feliz’ aumentou 6% em cinco anos. em itália e em espanha, há pouca gente feliz. sobre portugal e grécia não sabemos nada, mas é fácil imaginar que os portugueses estão menos felizes do que os gregos, apesar de os gregos estarem em pior situação. dizem que o dinheiro não traz felicidade. lá por haver gráficos que o mostram, também não exageremos.