no seu livro começa por traçar uma linha entre duas gerações: a que entrou no mercado de trabalho antes dos anos 80 e a posterior, a dos golden boys. o que são golden boys?
são pessoas que privilegiaram a representação da acção em vez do conteúdo da acção. procuraram trabalhar muito para a fotografia e ir muito à tv, e preocuparam-se menos com a sustentabilidade das empresas. nos anos 60/70, contentávamo-nos com o ovo de ouro diário que a galinha punha e queríamos que ela vivesse muitos anos. a geração de 80, porque foi forçada a isso – não é um mal congénito –, foi sendo empurrada para um caminho que se revelou perverso.
quem a empurrou?
basicamente, os analistas de mercado, que queriam resultados bombásticos todos os trimestres. um exemplo, com o bcp: se tenho 4% da edp e a sua cotação sobe, o que faço como gestor? mantenho a posição, por ter uma parceria com a edp, ou vendo 1% ou 2% para ter um resultado extraordinário com direito a primeira página nos jornais? houve quem não resistisse a essas pressões do mercado.
essa geração é ‘rasca’?
no início, havia um número reduzido de pessoas a fazer estas batotas, mas os resistentes começaram a ser apontados como menos competentes, conservadores, incapazes de acompanharem os tempos.
e foram sendo encostados…
e outros foram-se convertendo. no fim dos anos 90, princípios de 2000, havia tantos convertidos que a prática normal era a batota.
faz alusões críticas ao compromisso portugal, sem nomear gente. a geração dos golden boys é a do compromisso?
algumas das figuras mais proeminentes do movimento, algumas das que então apareceram na tv, coincidem muito com esse o perfil.
o bcp teve golden boys?
também teve.
e teve de conviver com eles…
sim. e, como joão talone assinala no prefácio do livro, algumas das minhas dificuldades na carreira profissional decorriam da minha dificuldade em conviver com a representação.
como alto responsável do banco não podia ‘encostá-los’?
havia muitos convertidos. o bcp cresceu muito rápido, incluindo com a novarede, e depois com as aquisições [na banca e seguros] e a internacionalização…
no seu livro começa por traçar uma linha entre duas gerações: a que entrou no mercado de trabalho antes dos anos 80 e a posterior, a dos golden boys. o que são golden boys?
são pessoas que privilegiaram a representação da acção em vez do conteúdo da acção. procuraram trabalhar muito para a fotografia e ir muito à tv, e preocuparam-se menos com a sustentabilidade das empresas. nos anos 60/70, contentávamo-nos com o ovo de ouro diário que a galinha punha e queríamos que ela vivesse muitos anos. a geração de 80, porque foi forçada a isso – não é um mal congénito –, foi sendo empurrada para um caminho que se revelou perverso.
quem a empurrou?
basicamente, os analistas de mercado, que queriam resultados bombásticos todos os trimestres. um exemplo, com o bcp: se tenho 4% da edp e a sua cotação sobe, o que faço como gestor? mantenho a posição, por ter uma parceria com a edp, ou vendo 1% ou 2% para ter um resultado extraordinário com direito a primeira página nos jornais? houve quem não resistisse a essas pressões do mercado.
essa geração é ‘rasca’?
no início, havia um número reduzido de pessoas a fazer estas batotas, mas os resistentes começaram a ser apontados como menos competentes, conservadores, incapazes de acompanharem os tempos.
e foram sendo encostados…
e outros foram-se convertendo. no fim dos anos 90, princípios de 2000, havia tantos convertidos que a prática normal era a batota.
faz alusões críticas ao compromisso portugal, sem nomear gente. a geração dos golden boys é a do compromisso?
algumas das figuras mais proeminentes do movimento, algumas das que então apareceram na tv, coincidem muito com esse o perfil.
o bcp teve golden boys?
também teve.
e teve de conviver com eles…
sim. e, como joão talone assinala no prefácio do livro, algumas das minhas dificuldades na carreira profissional decorriam da minha dificuldade em conviver com a representação.
como alto responsável do banco não podia ‘encostá-los’?
havia muitos convertidos. o bcp cresceu muito rápido, incluindo com a novarede, e depois com as aquisições [na banca e seguros] e a internacionalização…
as aquisições trouxeram golden boys…
o crescimento fez-se de ‘fato de macaco’, com mãos à obra. no fim apareceu muita gente, que não trabalhou assim tanto, a reclamar louros. geralmente, quem trabalha é sereno e não se põe à frente das câmaras. tivemos a nossa dose de golden boys.
que também foram responsáveis, segundo diz, pelo modelo da área financeira no último quarto de século, em que se viveu à base de crédito barato…
sim, mas este não é um problema específico de portugal, atravessa o ocidente – europa e eua. as grandes falências nos eua e a crise do subprime resultaram dos erros e da mistificação feitos. resultaram da perversão do que normalmente se chama fundamentais do negócio, que na banca são muito simples: receber depósitos e conceder créditos. o problema é quando se quer fazer a multiplicação dos bens. tínhamos que apresentar resultados fabulosos todos os trimestres, o que criou um enorme apetite nos investidores, que queriam grandes dividendos. a partir de certa altura começaram a notar-se em todo o mundo estratégias de antecipação de receitas e postecipação de custos: começou a apresentar-se lucros que ainda não havia, ainda que pudessem vir a existir, e a distribuir-se dividendos. dinheiro que devia ter servido para capitalizar os bancos foi distribuído.
o bcp também não resistiu ao apelo…
sim, é evidente.
critica um sistema em que participou…
critico um sistema em que fui forçado a alinhar pela força das circunstâncias. se não o fizesse, provavelmente os accionistas ter-me-iam despedido. o bcp estava em competição com os pares e todos tínhamos de dançar a mesma música.
nunca sentiu desconforto?
há o dito que diz que ‘uma mentira mil vezes repetida transforma-se em verdade’. após ouvir consultores, analistas, agências de rating – gente que respeitava, técnicos que me mereciam todo o crédito – a dizerem ‘o caminho é este’, acabei por me converter.
hoje arrepende-se?
na altura fiz o melhor que pude, eu e os meus colegas, com a informação disponível. agora estamos confrontados com os resultados que mostram que houve exageros e excessos. na banca lutávamos por quota de mercado, mas hoje verifica-se que acabámos por atribuir, por exemplo, crédito à habitação em condições demasiado facilitadas, não prevenimos o risco de uma crise internacional causadora de desemprego e o desemprego faz com que as famílias percam as casas. no bcp, se houve erro, foi de 10 mil pessoas que lá trabalhavam convencidas que estavam a fazer o melhor. e outras instituições lutaram pela quota de mercado com tanto empenho como nós.
é também crítico com os políticos do último quarto de século e diz que os actuais líderes europeus não têm qualidade…
sim, quando comparo os do passado com a geração actual.
é com esta geração que vamos melhorar o sistema?
talvez com os sucessores. a política de representação tem de dar lugar à política da verdade, que dá muito mais trabalho e é impopular. resolver problemas de austeridade e de desemprego custa muito mais do que ir todos os dias à tv mostrar sucessos.
estamos no caminho certo?
tenho notado neste governo uma atitude de seriedade que admiro muito. se vai conseguir resultados, depende menos do que está a fazer e mais das circunstâncias externas.
também atribui aos supervisores responsabilidade pela situação actual.
têm uma grande responsabilidade. estiveram desatentos às variáveis macro-económicas.
o seu criticismo em relação aos reguladores e supervisores nacionais não deriva também do processo de que foi alvo pela comissão do mercado de valores mobiliários [cmvm] e banco de portugal [bdp] no ‘caso’ bcp?
acredito que esteja influenciado pela conduta que tiveram relativamente a mim e, portanto, que tenha sobre eles um olhar mais crítico, nomeadamente em relação à sua colaboração para a condução geral da economia.
entretanto, foi anunciada a eventual anulação do processo da cmvm…
tal como no caso do processo do bdp, que está agora em recurso.
isso mostra que houve erros graves dos reguladores em relação a si e aos outros arguidos no processo do bcp?
do meu ponto de vista, sim. até agora não se encontrou uma norma legal que tenha sido violada no bcp, nem uma instrução do bdp que tenha sido desobedecida. nem se descobriu nenhuma norma interna do bcp que tenha sido desrespeitada. o único crime provado foi a passagem para o exterior de documentos da relação directa dos clientes com o banco – documentos protegidos pelo sigilo bancário –, o que representa um crime que, curiosamente, nem o bdp nem a cmvm se incomodaram a investigar. ao contrário, ambos se guiaram pelos títulos de jornais. e, como apareciam títulos a dizer que no bcp tinha havido irregularidades, o bdp e a cmvm, que começaram – não apenas por causa do bcp, como sabemos – a ser acusados de complacentes, negligentes e mesmo incompetentes, correram a acusar-me e a outros para não serem acusados. já o escrevi…
alguma vez falou com vítor constâncio sobre o processo?
a última vez que falei com ele foi a 16 de janeiro de 2008, o dia seguinte à assembleia-geral do bcp que elegeu uma nova administração [que sucedeu à de filipe pinhal], porque antecipadamente pedi entrevistas ao governador do bdp e ao presidente da cmvm [carlos tavares] para apresentar cumprimentos de despedida. a conversa com o dr. constâncio, que me recebeu com o vice-governador responsável pela supervisão, não foi a mais agradável já que tive.
o que lhe disse?
hoje tenho mais evidência de que o bdp e a cmvm se deixaram instrumentalizar e estou persuadido que, se voltássemos a 2007, ambos procederiam com muito mais prudência e não teria havido as declarações públicas condenatórias de ambos antes de o processo ser concluído.
se se confirmar que não houve irregularidades, os responsáveis da cmvm, do bdp e do governo de então devem ser responsabilizados?
as responsabilidades e a culpa estão tão diluídas que não consigo distinguir quem actuou no exercício das suas normais responsabilidades fazendo o que julgava ser o melhor, e quem actuou com reserva mental, sabendo que estava a servir uma causa errada. poderei acusar, quando muito, o bdp ou a cmvm no seu conjunto, mas não pessoas.
ainda que ambos os responsáveis tenham feito declarações condenatórias…
não gostei de ouvir o dr. constâncio dizer que houve um plano arquitectado ao mais alto nível, porque não houve. o bdp estava equivocado e reconheceu-o, de tal forma que não manteve a história do ‘plano’ na acusação. o mesmo aconteceu ao dr. carlos tavares. não gostei de ouvir o dr. constâncio, no parlamento, na comissão de orçamento e finanças e na comissão de inquérito dizer ‘há culpados e deste processo sairão algumas inibições’… tudo antes de o processo estar instruído. mas uma coisa é não gostar, outra é dizer que ele agiu com consciência de que estava a causar danos…
as mudanças no modelo de governação e as previsíveis alterações na estrutura accionista do bcp vão pacificar o banco?
não tenho conhecimento da base accionista e das relações entre accionistas para lhe dizer, com convicção, que há condições para que tudo se resolva. o que digo é que espero, sinceramente, que acabem as clivagens entre accionistas e que haja unidade na equipa de gestão. é muito fácil para o bcp recuperar a sua antiga posição de liderança.
porquê ?
a 15 de janeiro de 2008, na assembleia-geral que elegeu a administração que substituiu a minha, disse aos accionistas: há uma substituição de administração, mas não há razões para estarem preocupados. por três motivos: primeiro, o modelo de negócio do bcp é o correcto; segundo, o bcp está nos mercados certos; terceiro, os colaboradores do bcp constituem uma equipa com um valor profissional que provavelmente não terá paralelo no país. a nova gestão só precisa de sorte.
acreditava realmente nisso ?
acreditava.
apesar da forma como essa gestão surgiu [liderada por carlos santos ferreira, vindo da cgd, após acordo entre alguns accionistas do bcp e com o aval do governo]?
sim. a forma não foi correcta – houve um pecado original de que também não gostei. mas diferente disso era as pessoas serem capazes de levar o banco a bom porto.
o modo como a essa gestão entrou diz-lhe algo sobre quem a integrava?
naturalmente, mas eu acreditava que, no conjunto, a equipa virava a página e, ultrapassado o pecado original, tinha condições para conduzir o bcp. infelizmente, sobreveio uma crise internacional terrível que se abateu sobre um banco que tinha sido muito fragilizado de maio de 2007 a janeiro de 2008. estava muito debilitado, havia dúvidas dos clientes, até os colaboradores sentiam ansiedade e angústia, pois pensavam que estava tudo bem e afinal os jornais diziam que as coisas não estavam bem. mas, quando proferi aquela afirmação, estava absolutamente convicto dela. não o fiz por gentileza.
e hoje o modelo do banco é adequado?
podemos discutir a questão da grécia, mas a verdade é que, por exemplo, angola, neste momento, representa mais do que representava então. entretanto, o bcp cresceu e consolidou-se na polónia. em termos globais, posso dizer que está nos mercados certos, ainda que tenha muita pena que a turquia tenha sido vendida – era um mercado em que eu, pessoalmente, apostava. globalmente, continuo a dizer, hoje, que o bcp tem um excelente modelo de negócio e colaboradores dedicados, que porventura poderão não estar no auge da sua motivação, mas que não desaprenderam de trabalhar.
há agora uma nova equipa [eleita na semana passada, liderada por nuno amado]. a anterior já não tinha força anímica?
os últimos três anos foram muito desgastantes e tinham de provocar, necessariamente, grande erosão. os accionistas foram os primeiros a reconhecê-lo, tomando estas medidas, e estão certamente melhor posicionados para avaliar até que ponto foi a erosão.
sente satisfação por ver a equipa de santos ferreira sair?
de modo nenhum.
não há aquela sensação de ajuste de contas?
não. repare: quando um profissional tem o privilégio – que eu tive e que a minha geração no bcp teve – de transformar três folhas de papel no maior banco privado português, isso dá um orgulho e uma sensação de pertença que só tem paralelo na afeição clubística. e eu até sinto mais o bcp do que o meu clube favorito. aquela é a minha casa. eu cresci com aquela casa.
ainda hoje o sente?
sim. sinto um enorme orgulho pela história do banco e pela obra feita. e, já agora, devo lamentar que este orgulho não se tenha manifestado dia-a-dia nos últimos anos. pareceu-me – para grande desgosto meu – que os dirigentes do bcp se envergonhavam do banco. e isso não é bom. nem internamente, nem para fora. mesmo não tendo estado no seu nascimento, aquelas pessoas tinham razões para se orgulharem da história do bcp. a administração que entrou agora tem todas as razões para se orgulhar e deve, por exemplo, investir na recuperação do amor-próprio de quem serve o banco.
além desse, quais os grandes desafios?
o grande desafio é dar para o exterior, para o mercado, um sinal de unidade e coesão. e, a partir daí, recuperar a reputação do banco.