Grécia: como incumprir controladamente

Mais um capítulo encerrado na história da crise grega que tem alarmado a Europa. Esta sexta-feira trouxe a confirmação de que 95,7% dos seus credores privados deram o ‘sim’ ao perdão que afectará 206 dos 355 mil milhões da dívida helénica. Além de desbloquear o segundo pacote de ajuda externa ao país, em suma, a Grécia…

o acordo era encarado como a mais difícil das condições, impostas pela ‘troika’ – fmi, ue e bce -, e pela zona euro. a grécia tinha que reestruturar a sua dívida ou, por outras palavras, conseguir que os seus credores privados perdoassem cerca de metade do valor da dívida grega, para o país conseguir receber os 130 mil milhões de euros do segundo pacote de ajuda externa. sem esta quantia, o país não conseguiria pagar, este mês, os 14,5 mil milhões de euros referentes a empréstimos.

é aqui que se pode começar a falar de incumprimento. caso a grécia não pague esta quantia a 20 de março (prazo estabelecido), o país regista desde logo o seu primeiro episódio de não conseguir pagar o que deve. mas, face às exigências das instâncias europeias, a grécia tinha que negociar com os seus credores privados para que estes perdoassem mais de metade da dívida do país – o dinheiro que a grécia lhes deve -, para poderem ter acesso ao segundo pacote de ajuda externa.

e que perdão é este? em suma, o governo grego tinha que garantir um incumprimento consentido para evitar um outro, que seria descontrolado. o executivo negociou com os credores para que estes ficassem a perder dinheiro, trocando os títulos de dívida que detinham por outros com valores faciais mais baixos, taxas de juro mais reduzidas e com prazos mais longos de pagamento.

assim, a grécia vai devolver menos dinheiro do que a quantia que originalmente devia. para os credores privados, o perdão significa uma perda a rondar os 70%. para os helénicos, e tal como a bloomberg sublinhou, o perdão possibilitou reduzir em 53,7% a sua dívida externa detida por credores privados.

a ameaça que, desta vez, foi grega

desde que a grécia foi obrigada a recorrer à ajuda externa, em 2010, que o país tem sido alvo de algumas ameaças ou, se quisermos, ultimatos por parte dos líderes europeus. o mais recente veio precisamente com a negociação para o segundo pacote de ajuda externa, onde a ‘troika’ exigiu que o país apertasse ainda mais a austeridade e negociasse o tal acordo com os seus credores privados.

foi esta negociação que criou as condições para a grécia dar um passo que, até agora, nunca tinha tomado: a ameaça. dos 206 mil milhões de euros de dívida grega detida por credores privados, cerca de 177 mil milhões foram adquiridos segundo a lei helénica, e foi aqui que o governo liderado por lucas papademos tinha um trunfo para utilizar durante as negociações.

tudo porque, de acordo com a lei grega, o executivo tinha a possibilidade de utilizar as cláusulas de acção colectiva (cac). estas cláusulas permitiam que, caso pelo menos dois terços dos credores dessem o seu ‘sim’ ao acordo, a grécia pudesse obrigar os restantes credores a participar no perdão. o próprio evangelos venizelos, ministro das finanças, deu sinais de que só com a adesão voluntária ao perdão é que os credores conseguiriam reaver algum dinheiro, ao dizer, citado pelo ekathimerini, que seria «uma parvoíce» se os credores pensassem que poderiam reclamar o valor total do seu investimento. a explicação era simples: a grécia nunca teria dinheiro para lhes pagar o valor total dos seus títulos da dívida.

portanto, a grécia conseguiu quase que obrigar 86% dos seus credores privados a aceitarem o perdão de dívida. os restantes 14% estavam submetidos à lei internacional e, se estes não tivessem concordado, o país correria o sério de risco de entrar em incumprimento, este sim descontrolado.

apesar do sucesso das negociações, e tal como lembrou stephanie flanders, editora de economia da bbc, com o perdão a grécia consegue apenas reduzir em cerca de 30% o valor total da sua dívida, pois só envolveu a fatia detida por credores privados.

a jornalista lembrou igualmente que, caso este perdão tivesse sido tentado (e conseguido) em 2010, o ‘alívio’ sobre a crise grega seria muito maior, pois na altura a dívida do país rondava os 125% do seu pib – produto interno bruto -, em contraste com os 163% com que fechou o ano de 2011.

agora, com austeridade, cortes, perdões e esforços à mistura, o objectivo é garantir que, em 2020, a dívida externa da grécia seja reduzida para os 120%.

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