tornou-se conhecido pelo longo telegrama que enviou de moscovo, no dia 22 de fevereiro de 1946 para o departamento de estado e no qual, além de traçar o retrato da urss, aconselhava o comportamento a seguir para ‘conter’ o superpoder totalitário saído dos escombros da ii guerra.
além do estratega do containment e teórico das relações internacionais, kennan foi um historiador de talento e um escritor de qualidade. e alguém que mergulhou bem na vida do século americano, que como diplomata, correu o mundo, que pensou, leu, reflectiu, escreveu sobre os homens e os estados.
foi também uma personagem que sempre me intrigou e encantou. por isso fui ler a biografia (george kennan: an american life, penguin) que john lewis gaddis, o grande historiador da guerra fria, lhe consagrou.
é a vida de um americano que conheceu a rússia como ninguém, que traçou e inculcou nos decisores a ‘grande estratégia’ da contenção (de que depois foi crítico) e que, em 2003, com cem anos, se enfureceu com a decisão de george w. bush invadir o iraque.
kennan esteve em lisboa e lidou com salazar. era encarregado de negócios em berlim, quando em dezembro de 1941, hitler declarou guerra aos estados unidos. ele e todo o pessoal da missão americana ficaram internados na capital do reich, aguardando a ‘troca’ com os diplomatas alemães em washington, para regressarem aos estados unidos. chegou a lisboa a 16 de maio de 1942, depois de uma longa viagem de comboio pela ‘europa alemã’ e aqui embarcou para nova iorque.
em setembro estava de volta como conselheiro da embaixada em lisboa. o embaixador bert fish, nomeado por roosevelt por razões partidárias, nunca tivera uma conversa de fundo com salazar. «he is too smart for me» – explicou ele a kennan.
o office of war information via salazar como um ditador fascista, simpatizante de hitler, o que levava o oss de ‘bill’ donovan a pensar numa rebelião nos açores.
confrontado com esta confusão, kennan decidiu parar os movimentos de desestabilização e tratar de negociar as bases dos açores, seguindo os britânicos que, em agosto de 1943, tinham concluído um acordo secreto com salazar.
kennan continuava sem instruções do departamento de estado e percebera que o governo português não cederia as bases sem o reconhecimento expresso por washington da soberania portuguesa ali e nas possessões ultramarinas. o departamento de estado pediu, entretanto, ao governo português imediatas facilidades nos açores.
kennan percebeu que tal pedido em tal forma levaria salazar a uma negativa e ao consequente impasse. então explicou o que se passava ao próprio roosevelt, que lhe deu autorização para conduzir o assunto.
kennan fez então saber que os eua reconheciam a soberania portuguesa em todas as possessões, incluindo os açores. como os portugueses agradecessem, foi chamado a washington e levado ao pentágono, onde foi repreendido pelos ministros militares que lhe repetiram a ordem de intimar salazar.
então chegou a roosevelt, a quem expôs a delicadeza da relação com portugal e como a forma dos responsáveis militares americanos tratarem com salazar podia levar ao desastre.
roosevelt percebeu e mandou-o tranquilizar salazar sobre as pretensões americanas. o chefe do governo português, depois de várias horas de conversações, aceitou que os americanos usassem as facilidades dadas aos ingleses, assim se evitando o conflito.