Un Pokito de Bebe

À pergunta Quem é a Bebe?, a cantora espanhola lança uma resposta directa, mas, no mínimo, enigmática. «Sou como a capa do meu novo disco». Nela, está a carcaça do focinho de um touro, acompanhada pela longa melena morena da ‘cantante’ da Extremadura. ‘Um pouco mórbido e estranho, não?’, pergunta o SOL surpreendido com tal…

Tudo explicado. Depressa estão encontradas as facetas de irreverência, de audácia e até de rebeldia (embora esta não assumida) que Bebe entrega à sua música. Un Pokito de Rocanrol, lançado a 6 de Fevereiro último, é a prova cabal disso mesmo. E abre assim: «No me acostumbro a que no veamos que el poder está en nuestras manos pero cerramos los ojos y chupamos el caramelo envenenado que nos dan…». ‘ABC’, a primeira música, dá o mote para um álbum que, segundo a própria, «é uma mistura entre as suas reflexões e pensamentos sobre a vida. É apenas isso, não pretendo mandar mensagens a ninguém».

Terceiro disco de estúdio, Un Pokito de Rocanrol, foi gravado em Paris e conta com a produção do francês Renaud Letang, um dos nomes mais reconhecidos das últimas décadas que já trabalhou com Manu Chao, Jane Birkin, Feist, entre muitos outros. A escolha foi propositada? «Nem um pouco. Não o conhecia nem ele a mim, o que foi fantástico já que não existiam ideias pré-concebidas de parte a parte», conta Bebe ao SOL.

Decididamente, e tal como o nome indica, este é um disco com ar de rock, dançável e com algumas incursões pela electrónica, com bruscas mudanças de ritmo, percussão marcada e guitarradas fortes. «Foi feito com a energia à flor da pele, é orgânico. As ideias chegaram de todo o lado e também tem um lado vincado de humor negro», atira a espanhola. A energia diz que foi buscá-la à experiência da maternidade que está a viver há quase dois anos – «é um sonho, é algo super forte e emocionante». Aliás, a sua bebé marcou obrigatoriamente toda a gravação deste álbum, em que a artista se desdobrou nos dois papéis da sua vida, o de mãe e o de música, de Julho a Novembro de 2011, numa Paris que pouco ou nada conheceu. Mas, mesmo assim, este não é de perto nem de longe um disco maternal. «Não tinha vontade de fazer canções de berço», contou a cantora à Rolling Stone espanhola.

 

Música em família
Nunca gostou de falar da sua vida pessoal. Fica um pouco desconcertada perante jornalistas, multidões, fãs que lhe pedem autógrafos… É sempre evasiva nas suas respostas e pede quase sempre aos jornalistas para que não escrevam o seu nome de baptismo. Sabe-se que o artístico, Bebe, foi inspirado na sua mãe. Decididamente não adora a fama, mas é indiscutível que ama a música.

Nascida a 9 de Maio do ano de 1978 em Valência, só viveu um ano nesta cidade, passando a infância em Zafra e no Montijo, na Extremadura. Diz, por isso, que é «extrema e dura», apegada à sua terra, à sua família e ao seu povo. A quarta de cinco irmãos, cresceu num ambiente musical, já que os seus pais «eram aficionados pela música». Faziam parte do grupo de folk Suberina e incutiram-lhe, desde muito pequena, o amor pela mesma arte. Sempre viveu rodeada de instrumentos musicais e aos seis anos teve a sua primeira guitarra. Era o ponto de partida para um destino que era mais do que previsível: ser música. «Sempre toquei em casa para a família e amigos», confessou ao SOL.

Em 1995, com 17 anos, iniciou-se mais a sério como vocalista do grupo Vanagloria. Por esta altura, já vivia em San Vicente de Alcántara, em Badajoz, onde passou a juventude. Depois de terminar os estudos pré-universitários, resolveu ir para Madrid cursar Arte Dramática. Em pouco tempo já estava a actuar em alguns locais da capital espanhola, chegando a ganhar, em 2001, um concurso de cantores da Extremadura.

Ao mesmo tempo que cantava com a banda e também a solo, é chamada para fazer dois papéis secundários em filmes de produção nacional, Al Sur de Granada e El Oro de Moscú, tudo em 2003. No final desse mesmo ano, convidam-na a lançar o seu primeiro álbum. Pafuera Telerañas saiu em Março de 2004 e alcançou, de imediato, um êxito estrondoso. «Algo que, muito sinceramente, não contava, não contava de todo». ‘Malo’, tema contra a violência masculina sobre a mulher, ainda hoje é cantado um pouco por todo o mundo. ‘Ella’ – outro hino feminista – e ‘Siempre me Quedará’ tornaram-se hits. Produzido por Carlos Jean, vendeu mais de 500 mil discos em todo o mundo, permanecendo mais de 100 semanas na lista de vendas de Espanha. Foi Disco de Ouro nos Estados Unidos e na Colômbia e de Platina, por cinco vezes, em Espanha, e por uma vez na Argentina.

 

Grammy revelação
Em igual medida, vieram os prémios nacionais e internacionais. Prémio Ondas 2004 para Artista Revelação, já que, segundo o júri do concurso, «Bebe soube triunfar reivindicando os direitos das mulheres através de um estilo e de uma sonoridade muito pessoais». Em 2005, chegou o reconhecimento maior no mundo da música: Um Grammy Latino para Artista Revelação, tendo sido nomeada para outros quatro galardões: Gravação do Ano, Álbum do Ano, Canção do Ano e Melhor Álbum de Pop Feminino. Além disso, ainda conseguiu mais quatro prémios de música a nível nacional (os mais importantes que se disputam em Espanha) para Melhor Álbum Pop, Autor Revelação, Artista Revelação e Melhor Videoclip.

Em 2006, no auge da popularidade, Bebe anunciou a sua retirada temporária da música para se dedicar ao cinema, quem sabe se para fintar também o excesso de fama. Mas dos prémios não se livrou. La Educación de las Hadas, filme de José Luis Cuerda, valeu-lhe, em 2007, um Prémio Goya pela Melhor Canção Original: ‘Tiempo Pequeño’.

Ao fim de cinco anos de silêncio discográfico, sai então Y., em 2009. Número 1 directo em Espanha e eleito Melhor Álbum de 2009 pelo iTunes espanhol, o novo trabalho volta a chamar Bebe para o palco dos Grammys Latinos, mas aqui não passou de nomeada: Canção do Ano e Melhor Vídeo para o single ‘Me Fui’. 50 concertos depois, a artista começou então a preparar o terceiro álbum. «Un Pokito de Rocanrol é um disco estimulante, aventureiro e arriscado. A vida dá-te a sorte de fazer coisas novas». E inspira-se em quê? «Na vida, o meu dia-a-dia é bastante inspirador».

filipa.moroso@sol.pt