essa avaliação, pode fazer-se, como é óbvio, por vários prismas. mas aqui vou sublinhar a sua relação com a estrutura do partido que, há cerca de dois anos, o elegeu como líder.
lembremos um pouco a matriz do psd nesta matéria francisco sá carneiro, quando formou o governo, praticamente não optou por dirigentes partidários na sua constituição. que me recorde, só eurico de melo era responsável partidário. cardoso e cunha, viana baptista, o próprio cavaco silva, mário raposo, e outros membros do vi governo constitucional não tinham responsabilidades partidárias.
francisco pinto balsemão já foi diferente, e levou consigo varias figuras das estruturas ou das hierarquias partidárias. lembro, nomeadamente, os casos de nascimento rodrigues, amândio de azevedo, menéres pimentel, fernando amaral e o próprio marcelo rebelo de sousa. também ao nível de secretários de estado a diferença, nesse aspecto, foi gritante.
com cavaco silva foi mais seguida a linha de francisco balsemão.
eurico de melo, fernando nogueira, eu próprio, marques mendes e, mais tarde, dias loureiro, fizemos parte dos seus governos.
cavaco sempre se preocupou em ter representadas as várias sensibilidades do psd. durão barroso seguiu a mesma linha e levou para o governo teresa gouveia (mne, depois de martins da cruz), isaltino morais (nas cidades e ambiente), pedro roseta (cultura), david justino (educação) e muitos secretários de estado oriundos do chamado aparelho.
comigo na liderança do governo, foram mais os ‘independentes’. exemplos: antónio monteiro no mne, maria joão busttorf na cultura, carmo seabra na educação e antónio mexia nas obras públicas
certo? errado? cada um fará o seu juízo. eu defendi sempre a tal ideia da máxima separação possível entre partido e governo.
sei que esta visão não é popular em muitos sectores do psd. mas sempre a segui, procurando chamar a responsabilidades pessoas independentes. na área da cultura convidei agustina bessa-luís, jorge borges de macedo, carlos avillez, antónio-pedro vasconcelos, zita seabra (na altura, dissidente de ‘fresca data’ do pcp), ricardo pais, entre tantos outros.
diferentes líderes com distintas ideias
nas duas câmaras que dirigi até hoje segui o mesmo caminho.
na figueira, em cinco pessoas que foram eleitas comigo, só uma era militante do ppd/psd. foi quando convidei rosário águas e josé manuel pereira da costa, que nunca tinham exercido funções públicas.
em lisboa desafiei antónio carmona rodrigues e teresa xavier pintado maury para os lugares a seguir ao meu na lista candidata – e em 2009 convidei joão navega e lívia tirone para esses lugares. nenhuma destas quatro pessoas tinha militância no psd (navega era o único inscrito, pouco tempo antes, mas sem qualquer actividade partidária).
estes são apenas alguns exemplos do que considero ser a linha mais adequada. não considero que as pessoas que militam em partidos tenham menos direitos do que os independentes. mas entendo que a acumulação de funções é má para um governo (e para um partido). com cavaco silva e com durão barroso, a comissão política nacional do psd era, às tantas, quase uma reunião de membros do governo.
comigo, o tempo e o espaço para mudar foi pouco.
no congresso de barcelos ainda ponderei essa grande mudança da equipa que recebera de barroso, mas percebi que era complicado tirar da direcção do partido ministros influentes. o único que saiu – que eu julguei que compreenderia a opção – demitiu-se do governo duas semanas depois.
os diferentes líderes do psd que já tiveram a responsabilidade de formar governo revelaram, de facto, maneiras de pensar e de agir distintas.
passos coelho não depende do partido
pedro passos coelho, nesta matéria, tem sido uma surpresa.
recordo-me, aquando das ‘directas’ de 2008 (que disputámos os dois, além de manuela ferreira leite), ter ficado logo essa marca aparelhística. aliás, o seu percurso desde a jsd sempre propiciou esse rótulo. mesmo o seu afastatento para a vida profissional privada não impediu que sempre fosse visto como um líder que emergia e contava com o aparelho ‘puro e duro’ do psd.
obviamente, o apoio de miguel relvas e de outras pessoas com percurso idêntico, desde a militância na juventude partidária, também contribuía para solidificar essa ideia.
só que pedro passos coelho tem seguido, manifestamente, uma linha em que deixa claro que não depende de nada nem de ninguém. passos coelho – e, com ele, naturalmente, miguel relvas.
vítor gaspar, álvaro santos pereira, paulo macedo e nuno crato são exemplos de distanciamento que cumpre sublinhar. são melhores ou piores do que miguel macedo ou paula teixeira da cruz por serem independentes? claro que não! mas não é a mesma coisa os ministros serem ou não militantes do psd.
manda a verdade dizer que não só pelos convites para o governo se nota esta atitude de passos coelho. foi criticado aquando das indicações dos accionistas da edp para o conselho superior da empresa ou aquando das nomeações para a águas de portugal. mas a crítica – frequente no jogo democrático – não tem correspondência com a realidade. passos coelho não tem nomeado com o ritmo nem com o sentido que as estruturas partidárias gostariam.
vai correndo que podem surgir críticas em congresso a esta linha do presidente do psd. faz parte, não é de estranhar. algumas poderão ter até algum fundamento, nomeadamente quanto à demora de algumas nomeações.
mas pedro passos coelho tem marcado o seu tempo e o seu modo de decisão. alguns atrasos serão difíceis de compreender? talvez. mas uma verdade não pode ser contestada: passos coelho não é refém do aparelho partidário, antes tem demonstrado ser independente dessa fonte de poder político.
por mim, penso que, em democracia, deve ser assim: as direções dos partidos não têm de coincidir com os governos.
ambos têm de manter vida própria e não se podem confundir. se os dirigentes partidários são chamados a responsabilidades governativas, devem ser substituídos, tanto quanto possível. será interessante saber o que vai decidir passos coelho sobre o assunto.
portugal precisa de uma maneira nova de estar na política. o congresso da próxima semana permitirá avaliar a medida em que o ciclo iniciado há dois anos se manterá – ou até se aprofundará.