Uma crise que abalou o regime há 50 anos

Numa manhã gelada de Maio, carrinhas da polícia e autocarros da carris transportaram mais de mil alunos da Cidade Universitária para o quartel da Parede. A polícia pôs fim à greve de fome, mas não conseguiu enfraquecer a crise estudantil que há 50 anos abalou o regime.

a proibição da
realização do dia do estudante, em 1962, foi o mote que levou milhares de
alunos das universidades de lisboa, coimbra e porto a manifestarem-se contra a
falta de liberdade. durante 100 dias, os estudantes conseguiram abalar o regime
de salazar, participando em massa em plenários organizados pelas associações
estudantis.

os episódios de
detenções e cargas policiais repetiam-se, mas não tinham o efeito desejado. «as
cargas da polícia de choque ainda motivaram mais os estudantes. serviram de
alimento para nós prosseguirmos a nossa luta», recorda jorge galamba, um dos
alunos detido no seguimento da greve de fome realizada em maio e que significou
a prisão para centenas de universitários.

«penso que foi de 11 para
12 de maio, a polícia cercou as instalações da reitoria e o comandante da força
policial foi negociar com as estruturas dirigentes de estudantes», recorda o
então estudante da faculdade de direito.

a polícia ia começar as
detenções no início da noite, quando «o dr. jorge sampaio (então presidente da
ria) pediu à policia que desse voz de prisão a cada estudante individualmente,
o que arrastou a nossa prisão das 2h30 para as 7h30». resultado: os mais de
1.500 estudantes só abandonaram a cidade universitária de manhã.

«se tivéssemos ido todos
para o quartel da parede às 2:30 ninguém saberia. mas às 7h todas as pessoas
que iam trabalhar perceberam que havia mais de 20 autocarros e 20 carrinhas da
polícia cheias de estudantes que faziam sinal que estavam presos. rapidamente
se espalhou pela cidade a notícia da nossa prisão», recordou, explicando que os
jovens cruzavam os dedos desenhando uma grade. jorge galamba esteve em caxias
dois dias.

ana benavente
frequentava o sétimo ano do liceu e foi alertada das movimentações «ainda
antes das prisões em caxias».

«lembro-me de ouvir
falar que ia haver plenários e do meu deslumbramento ao chegar lá e ouvir os
dirigentes falar sobre a liberdade ou os cidadãos…», recorda ana benavente,
sublinhando que em todos estes actos «havia uma noção de desobediência, perigo
e exaltação».

em 1962, ana benavente
vivia num internato lisboeta para filhas de professores primários, num ambiente «horroroso, muito autoritário».

«eu era muito rebelde,
aceitava mal a disciplina e por isso estava sempre em guerra com os adultos»,
recorda.

só no plenário do
estádio universitário percebeu que não estava sozinha: «nos plenários percebi
que tudo o que sentia não era solitário, era partilhado por um grupo muito
grande».

isabel do carmo, então
aluna da faculdade de medicina da universidade de lisboa, foi a única mulher
que falou no plenário do estádio universitário. hoje, a médica recorda a crise
estudantil como o momento em que as mulheres saíram da sombra e romperam com a
ditadura do regime e da família. «o pretexto eram os direitos dos estudantes,
mas por detrás das reivindicações estava uma luta contra o regime, a restrição
das liberdades e a repressão», lembra.

a luta «foi uma genuína revolta
dos estudantes portugueses contra a falta de liberdade, um movimento que abalou
muito o regime», contou isabel do carmo, que acredita que «as lutas
dos estudantes em todo o mundo, seja em que época for, abalam muito os
regimes».