Agências de manequins investigadas por burla

Hélio tinha o sonho de ser modelo e o apoio dos pais, que lhe ofereceram um curso de 1.300 euros numa agência do Porto. Só que o jovem, de 18 anos, nunca conseguiu arranjar trabalho. Foi então que, em Junho do ano passado, decidiu tentar a sorte numa outra agência, a FirstModels: começou por inscrever-se…

o engodo começou aqui. «recebeu logo um sms a dizer que tinha sido seleccionado para entrar numa nova novela da tvi e que ganharia uma determinada quantia», diz o pai, que apesar de ter estranhado, quis fazer a vontade ao filho. «marcaram logo um dia para fazer o book (portefólio), que custou 125 euros. tiraram-lhe as fotografias num estúdio todo sujo. só que até hoje nem book nem mais nada. desapareceram, deixaram de atender telemóveis e de responder a emails».

levados pelo sonho de brilhar em desfiles ou em séries de televisão, muitos são os jovens que se deixam iludir por promessas fáceis de trabalho que nunca chegam a ser cumpridas porque as agências que os aliciaram são na verdade um negócio de fachada. para além da burla, a moda também está a ser usada como pretexto para o assédio sexual, seja na rua ou em redes sociais como o facebook (ver texto ao lado).

muitas são as denúncias de burla que têm chegado às autoridades. segundo o sol apurou, pelo menos quatro agências estão a ser investigadas por suspeitas de burla: duas no departamento de investigação e acção penal (diap) de lisboa e outras duas no diap do porto.

 

325 euros por um book
em lisboa, a nwance models e a firstmodels são acusadas de cobrarem por serviços que nunca prestaram. no primeiro caso, uma das vítimas chegou a pagar 325 euros por um book, mas apesar de ter sido fotografada num estúdio junto ao centro comercial das amoreiras, nunca o recebeu porque a empresa encerrou de um dia para o outro. «essa agência nem existe mais», foi a resposta que o sol obteve de um interlocutor brasileiro, depois de ligar para um dos dois telemóveis que ainda estão publicados no site da agência, entretanto desactivado.

cenário idêntico com a firstmodels: todos os telemóveis da empresa permaneceram desligados. a verdade é que esta agência, sediada em almada e com delegações em lisboa e no porto, continua a somar queixas – já este mês, a psp recebeu mais uma denúncia. o expediente é sempre o mesmo: depois de se inscreverem no site, os candidatos recebem um sms com várias promessas de trabalho (anúncios para operadoras, revistas e canais de televisão). só que para isso têm de fazer um book nas instalações da agência, o que pode custar mais de 200 euros.

na esperança de ganharem um contrato com uma marca, as vítimas pagam em dinheiro ou em cheque, mas ficam de mãos a abanar, muitos nem o álbum chegam a receber.

«quando um candidato a modelo quer iniciar uma carreira e não tem fotos, esse trabalho tem de ser feito por uma equipa de fotógrafo, cabeleireiro e maquilhador. mas esse valor deve ser simbólico. só depois, de acordo com o potencial do modelo, vale a pena ou não investir em books mais caros», critica pedro alves, da facemodels.

 

pedia jóia de inscrição e desaparecia
alexandra macedo, directora da bestmodels, uma das agências mais antigas a operar no mercado, aconselha os jovens e os pais a «desconfiar sempre que é pedido para pagar seja que valor for para ser agenciado». além disso, avisa, é preciso investigar a idade da agência, o tipo de site, a existência de departamento internacional e o número de identificação fiscal. «basta uma pesquisa na internet para facilmente se distinguir entre os ‘burlões’ e as agências profissionais».

foi precisamente o que não fizeram as dezenas de jovens do distrito de viseu que, no ano passado, pagaram cerca de 200 euros para se inscreverem numa agência, a jump’s, que só mais tarde perceberam que era fictícia.

detido pela gnr em junho passado num hotel em aguiar da beira, o burlão (que já era procurado para cumprir pena de prisão por crimes de furto e burla) aliciava jovens, com idades entre os 14 e os 20 anos, a quem prometia cursos e contratos de trabalho. «ele só actuava no interior do país, onde há menos oferta e menos informação sobre este mundo», disse ao sol fonte da gnr.

o homem, de 43 anos, fazia-se passar por assistente da empresa e marcava os encontros em cafés e hotéis. a cada uma das candidatas pedia cerca de 200 euros de jóia de inscrição e também que enviassem um mms com fotos de rosto e de corpo. num dos telemóveis do burlão, foram encontradas centenas de fotos de jovens, algumas em lingerie e outras sem roupa. depois de receber o valor da jóia, o homem desaparecia.

 

asae não fiscaliza
no diap do porto, foram apresentadas queixas contra a new face models agency e contra a megamodels, pelo mesmo crime. a primeira tem o site suspenso e um único telemóvel, sempre desligado.

«ainda não fomos notificados de nenhuma queixa», disse ao sol fonte da megamodels, agência especializada em formação, esclarecendo: «é verdade que às vezes temos reclamações de pais que se queixam de terem gastado dinheiro com a formação dos filhos e de estes não conseguirem arranjar trabalhos. o que dizemos sempre às pessoas é que com formação há mais probabilidade de passar num casting».

cabe à autoridade de segurança alimentar e económica (asae) a fiscalização das agências e escolas de manequins. mas algumas das maiores agências do país garantem ao sol nunca terem sido inspeccionadas por este organismo.

contactada pelo sol, a asae limitou-se a dizer que, nos últimos anos, recebeu nove reclamações (três em 2010 e seis em 2011). mas fonte da asae esclarece que «face à falta de enquadramento legal nas competências desta autoridade, foram os reclamantes informados de que deveriam contactar a direcção-geral do consumidor, uma vez que poderia estar em causa publicidade enganosa».

à asae chegaram ainda três denúncias (duas em 2010 e outra já este ano), sendo que «uma configura um conflito de consumo (que advém da celebração de um contrato entre um prestador de serviço/vendedor e um consumidor) e as outras duas encontram-se em fase de averiguação».

tó romano, director da central models, diz que anda há muito a advertir para a questão das burlas, que descredibilizam quem trabalha de forma séria no mercado. «há pessoas que alimentam o sonho de jovens e que depois pedem 300 ou até 750 euros por um curso que não vai servir para nada».

liliana.garcia@sol.pt

sonia.graca@sol.pt