Não fora o destaque que Marcelo Rebelo de Sousa lhes atribuiu no seu comentário habitual de domingo, e poderia até acontecer que fossem encaradas como ‘não tendo sido proferidas’.
O facto é que foram e vêm juntar-se a muitas outras – e não vou falar de políticos – de reputados economistas que, conscienciosamente, fazem o que tem que ser feito, ou seja, avaliam os resultados da receita que tem vindo a ser aplicada aos países em dificuldades financeiras e não ficam satisfeitos com o que vêem.
Eles – os resultados – são claros. Não só para a Grécia, como para a Irlanda e para Portugal: desemprego elevadíssimo, – especialmente assustador para os jovens – decréscimo forte e perigoso da riqueza produzida, enfraquecimento dos níveis de protecção social, crescimento da pobreza.
Nada que não fosse previsível face à inadequação de um modelo de intervenção que trata apenas um aspecto da doença sem ter em atenção os seus potenciais efeitos adversos noutras dimensões da doença e do doente.
Tenho dito muitas vezes que se os economistas que têm esta actuação fossem médicos, não passariam em nenhuma prova de avaliação daquelas a que estes últimos são frequentemente sujeitos e que assentam em variados indicadores, designadamente os de morbilidade e mortalidade como forma de determinação de qualidade e eficácia do seu exercício.
Ao contrário, muitos economistas, porventura até aqueles – ou da mesma Escola – que criaram o problema, ou seja, a doença, são incapazes de apontar soluções credíveis e eficazes para o resolver. Não curam o doente e, quando este morre da cura, como quase aconteceu com a Grécia e, infelizmente, corre o risco de acontecer com Portugal, nada lhes acontece. Mais, continuam a manter tratamento social de destaque, porventura até são promovidos no seu local de trabalho, ao contrário do que aconteceria a qualquer médico se insistisse num tratamento que fatalmente matasse ou agravasse o estado de saúde dos seus doentes.
Tenho para mim que este problema decorre fortemente do facto de haver muita verticalização do conhecimento e pouca capacidade para a sua interligação e a sua interrelação. Olhar para o problema das finanças públicas e avançar com medidas para a sua resolução sem ter em conta o seu impacto potencial sobre a economia e sem, por sua vez, avaliar a importância das respectivas consequências sobre a economia, é caminho certo para o desastre. E, insistir no desastre, é tragédia.
São bem-vindas, pois, as palavras de responsáveis europeus ou do FMI que se traduzem no reconhecimento público de que é necessária outra abordagem para uma crise com os contornos daquela que nos atingiu e espero bem que o Governo a elas não manifeste surdez.
Todos compreendemos – e não é preciso ser muito arguto – que a agenda do memorando de entendimento aplicada a Portugal cruza bem com o pensamento ideológico do Governo, pois aceleraria a sua própria agenda no sentido do Estado mínimo e da transformação do modelo social em modelo assistencial. O pior é que, como nas estradas, quando a velocidade é excessiva, mata, e os mercados são implacáveis mesmo para quem quer andar ao seu sabor, porque conhecem a dinâmica destrutiva das medidas aplicadas sobre a economia.
Talvez seja a altura de recordar os ensinamentos de Kant, para que se perceba bem a diferença entre o valor de mercado – que as coisas têm – e o valor moral – atributo das pessoas. É que as coisas têm preço e as pessoas têm dignidade e é essa dignidade que lhes atribui valor absoluto e não apenas relativo. São um fim em si mesmas e não um meio.
O erro das atuais políticas é que fazem das pessoas um meio ao serviço daquilo que tem preço e, a continuar-se assim, a doença que vivemos não se cura, antes se agrava cada vez mais.