as dívidas acumuladas ao longo dos anos impedem que várias dessas empresas possam ser objecto de decisões racionais sobre o seu futuro.
até porque todas elas prestam serviços com uma forte componente social, que têm tido um custo elevado para os contribuintes.
as indemnizações compensatórias atribuídas pelo estado ao longo de muitos anos fazem com que a gestão dessas empresas tenha tido sempre um horizonte de alguma segurança, pesem os seus desequilíbrios estruturais.
podemos dizer que portugal tem vivido mergulhado em ilusões sobre o custo real dos bens e serviços proporcionados à população. as ilusões, normalmente, pagam-se caro – e, aqui, mais uma vez isso acontece.
a questão é esta: que destino dar à dívida dessas empresas? tendo atingido dimensões insustentáveis que impedem a sustentabilidade de qualquer plano de amortização, que fazer?
há vários tipos de consolidação e de regime jurídico das dívidas das diferentes empresas mas, no geral, podemos dizer que se torna impossível o estado assumir, no quadro atual, essas responsabilidades.
refer, cp, metro, carris, transtejo, stcp, metro do porto, precisam mesmo de uma mudança profunda.
com mais ou menos simbolismo, defendi há meses que profissionais como antónio mexia, antónio carrapatoso, antónio lobo xavier, elias da costa e outros deveriam ser convidados pelo estado para tão exigente quanto fascinante tarefa.
atrevo-me até a falar em manuela ferreira leite, antónio bagão félix, daniel bessa ou augusto mateus…
para situações de excepção, medidas de excepção. o estado deve estabelecer metas de gestão muito claras e fazer contratos por objectivos com essas pessoas.
estou com isto a dizer que aqueles que têm gerido essas empresas não possam de todo continuar?
não! em alguns casos, os seus méritos até podem ser úteis quando for manifesto que detectaram a raiz dos desequilíbrios e propuseram soluções. isso aconteceu às vezes – e as propostas ficaram retidas pelas diferentes tutelas. mas quem geriu como se tudo estivesse bem, não pode nem deve ser protagonista nas rupturas que se tornam indispensáveis.
para os tempos que estas empresas vão viver, poderá ser adequado um modelo de gestão com um ceo mais ligado à gestão anterior e um chairman com características semelhantes às personalidades acima referidas.
‘equipas de missão’ para os dossiês difíceis
será que ‘os esqueletos já saltaram todos dos armários’?
acreditemos que, no essencial, sim. e que, por isso, já não terá cabimento falar em défices ocultos… mas, do que é conhecido, já há tarefas que cheguem para dar àgua pela barba durante algum tempo.
empresas de transportes, hospitais-empresa e ppps ( nomeadamente no sector rodoviário) chegam para uma epopeia colossal.
em conjunto, o valor da dívida destes três grandes dossiês atinge um montante equivalente a quase 40% do pib.
os mercados continuam a olhar para portugal com mixed feelings, principalmente por causa destes alçapões.
sim, como escrevi na semana passada, a grande questão é o crescimento.
mas as dúvidas sobre as ppps e sobre esse conjunto de empresas de transportes suscitam reservas consideráveis sobre uma eventual necessidade de revisão do valor efectivo da dívida portuguesa.
16 mil milhões? 48 mil milhões? três mil milhões? são números cuja soma não anda longe do montante de financiamento do programa de ajuda externa a portugal.
muitas vezes se fala de uma eventual necessidade de renegociação desse financiamento, ou de outro modo, dessa dívida. ora o mesmo, no tempo e nos montantes, terá de ser feito nestes sectores. e para essas negociações seria bom pensar em equipas especiais.
para os sectores mais difíceis ou as tarefas mais árduas, seria recomendável criar ‘equipas de missão’. criou-se uma para as privatizações? pois que se faça o mesmo para estes dossiês.
as empresas de transportes, com estes ou com outros nomes, com estas ou outras estruturas, terão de continuar a existir. alguém terá de continuar a prestar esses serviços. serão privados a explorá-los? em alguns casos, seguramente. mas não assumirão as dívidas. e, não sendo eles, quem será?
entidades públicas e privadas vão ter de se entender, reescalonar, perdoar (juros e uma parte de capital?), permutar, compensar, consolidar.
o horizonte da economia portuguesa não poderá viver sempre com estas nuvens carregadas do endividamento. durante muitos anos, falou-se muito do ‘crédito mal parado’. hoje talvez não se use tanto essa expressão, mas a realidade continua a existir. por causa dela, a actividade de muitas empresas parou e o tecido empresarial português ficou mais pobre. mas a actividade destas empresas de transportes e ppps não pode parar. por isso, os vários créditos cruzados que não estão bem parados têm de se sentar à mesa.
hospitais públicos são indispensáveis
muito se fala hoje de ‘cortar’, ‘cortar’. em despesas, claro.
quero dar um testemunho que a minha família viveu nos últimos seis meses. e o testemunho é o da importância do sector público da saúde.
quando acontecem acidentes com consequências muito graves e se pergunta aos médicos, a resposta é: hospital público.
escrevo estas palavras com todo o respeito pelo sector privado da saúde. mas esta é a verdade – pelos equipamentos mas também pela reputação e experiência de muitas unidades que integram o sector público da saúde.
sempre fui favorável a uma presença insubstituível do estado nessa área. e, depois deste tempo, ainda mais reforcei esse entendimento. sei o que recebemos, sei como agem, tratando todos bem e por igual.
não ponho em dúvida que, nos privados, se trate bem e se procure tratar todos com humanidade. sei, também por experiência minha, da minha família e de amigos. mas é diferente. logo à partida é bem diferente. e, por mim, falo do que passámos, do que vimos, do que ouvimos.
portugal tem todas estas decisões pela frente. mais uma vez, sublinhe-se, trata-se de redefinir as funções do estado. não se fez antes, agora tem mesmo de ser. para refazermos este país. para construirmos um país equilibrado, progressivo, racional, poupado, lógico, justo.