talvez por isso, ou por mal disfarçada má consciência, a supressão destas datas históricas venha metida nas dezenas de alterações ao código de trabalho!
critério e estratégia ditados talvez também por estranho desígnio dos mercados que nos governam: passámos do ‘fascismo’ do 28 de maio, à ‘democracia’ do 25 de abril e agora temos a ‘mercadocracia’ dos falidos, representada organicamente pela ‘concertação social’ e pelo ministro da economia. foi ao serviço da produtividade que estas ilustres entidades concluíram, calcula-se que depois de aturadas e dolorosas cogitações, que se deveriam eliminar dois feriados religiosos (a ascensão e o corpo de deus) e dois civis (o 5 de outubro e 1.º de dezembro).
não consegui ainda perceber se o estudo de necessidade da produtividade nacional (que continua alegremente a dar tolerâncias de ponto e ‘pontes’ e a tolerar faltas e greves) permite ultrapassar disposições de direito internacional, como a concordata. ou se a conferência episcopal, complacente, se terá mostrado disponível para dispensar as formalidades exigidas para revelar alguma boa vontade.
num país onde têm imperado o laxismo e a impunidade, onde continuam a só ir para a cadeia os pobres, os desconhecidos e um ou outro ‘conhecido’ caído em desgraça, num país onde os desperdícios de tempo, de dinheiro e de recursos permanecem, é estranha esta brusca exigência e zelo em acabar com quatro feriados. sendo dois deles políticos e um nacional e acima de direitas e esquerdas.
e entre os feriados ardilosamente condenados a desaparecer no código de trabalho, está a data fundacional de portugal, o 1.º de dezembro, dia da restauração da independência, precisamente o que deveria ser o último, caso se tivessem que eliminar todos.
será que as desconcertadas cabeças não percebem que todos os outros feriados – do 25 de abril ao 10 de junho – só existem porque houve um primeiro dia da restauração? que se não tivesse havido 1.º de dezembro seríamos uma catalunha (no caso pobreta), talvez a procurar a independência por via pacífica, ou então um país basco a reivindicar a autonomia à bomba?
admito que lhes seja indiferente serem portugueses ou outra coisa qualquer, mas podiam ao menos admitir, estes servos zelosos dos misteriosos mercados, que sermos um estado nacional sem problemas de secessão, separatismos étnicos ou religiosos e uma nação antiga é um trunfo fortíssimo mesmo no plano da geoeconomia, num mundo em que a estabilidade e a instabilidade política vão ser as grandes condicionantes da segurança do investimento e em que a maior conflitualidade vem das questões nacionais.
eu sei que parte significativa da classe política que nos governa é politicamente analfabeta. que nomes como platão, maquiavel, bodin, locke, rousseau, kant, hegel, marx, nietzsche, lenine, maurras, mussolini, mao, equivalem a nomes de jogadores de futebol, de artistas pimba ou de personagens da casa dos segredos. nomes que serão, quando muito, um bom motivo para um cliché, uma anedota, uma citação deslocada. esta indigência mental, disfarçada pela douta ignorância do ‘economês’ e pelo assepticismo ideológico e cultural dos conceitos médios programáticos, desculpa alguma coisa, mas não tudo.
e todos os que nos sentimos portugueses, apesar do presente, humilhado e humilhante, em que voltámos a ser tutelados pelos credores, como no século xix, todos os que ainda achamos importante ter uma nação, devemos estar atentos à discussão e à votação na assembleia desta proposta. vejamos quem vota e como e tiremos as nossas conclusões, para que da próxima vez em que possamos dispor da fracção de soberania que a lei nos atribui actuemos em conformidade.