nem se nos transformássemos em descendentes de aquiles seríamos tão agressivos quanto os gregos de agora. percebemos que os ânimos ficaram exaltados ao ponto de haver sangue. foi feia aquela tarde no chiado. quando se chega à violência na rua, a discussão pública fica pobre. é certo, no entanto, que vimos tudo e não sabemos grande coisa sobre o que se passou. a polícia terá sido provocada e actuou de acordo com o que está treinada para fazer: conter a multidão em fúria e restaurar a ordem. tentemos ver o problema do ponto de vista da autoridade. um polícia numa situação daquelas tem tanto medo da multidão como cada um ali presente. é o medo que faz com que se precipite e avance sem ouvir os jornalistas. é o medo que o leva a arrastar tudo atrás, até senhoras que não estão no sítio certo àquela hora. o medo não é da pessoa que tem à frente, mas dos vinte ou trinta que estão atrás dele. a multidão é assustadora e é por isso que o descontrolo policial acontece. a paz da discussão é sempre melhor.
primeiro mundo
uma educadora de infância subverteu um clássico da canção infantil ‘atirei o pau ao gato’, acrescentando no final os versos «batata frita/ viva o benfica». se quisermos ser politicamente correctos ad nauseam, entendamos que o tema apela à crueldade contra animais. mas esqueçamos a versão original. um pai atento e adepto do futebol clube do porto não gostou da novidade e apresentou queixa desta escola pré-primária na ericeira ao ministério da educação. entretanto, o fc porto, num comunicado intitulado ‘madrassa da ericeira’, publicado no site, saudou a atitude do pai e aproveitou para nos informar da pouca-vergonha que vai pelo país fora: «mais grave é entretanto o fc porto ter tido conhecimento que a adulteração da letra é prática diária e repetida três vezes ao dia não só no jardim-infância da ericeira, mas também em todas as escolas do pré-escolar do agrupamento e também noutras dos concelhos de lisboa e cascais». condicionar o gosto dos inocentes não é aceitável, por isso daqui saúdo o pai portista. o episódio é refrescante porque nos faz acreditar que vivemos num país onde questões como a liberdade de escolha são importantes na vida das pessoas.
zangados no espaço
a notícia de o novo videojogo angry birds space ter sido descarregado mais de dez milhões de vezes em apenas três dias não me surpreendeu. o sucesso das versões classic, seasons e rio faziam prever uma corrida à continuação da história dos pássaros que estão zangados porque os porcos verdes lhes roubaram os ovos. parte do sucesso do jogo está na história simples de retribuição por um crime de furto. o rapto dos filhos justifica a zanga dos pássaros e a perseguição aos porcos: angry birds é sobre a família que nos é mais querida. na sua base está uma história de amor entre pais e filhos. a outra parte do sucesso do jogo está na sua beleza: angry birds é muito bonito. quer fosse na praia, nas minas, no natal ou no carnaval, os cenários eram divertidos e bem cuidados. a beleza também ajuda a que se torne viciante. mas quando parecia estar tudo imaginado, aparece esta versão mais difícil, no espaço, com campos gravitacionais, trajectórias pouco óbvias e um novo pássaro que congela as estruturas de madeira e pedra. o nível cinco da primeira série de dez é de uma delicadeza tal que apetece ficar ali só a descansar. angry birds space é, sem exagero, uma obra-prima.
um cobarde
mohamed merah, de 23 anos, matou três crianças e um rabino numa escola judaica em toulouse. matou ainda três militares em montauban. segundo a polícia francesa, merah afirmou ter tido pena de não ter conseguido matar mais pessoas. teve o fim de vida que escolheu: morto com duas das vinte balas que lhe cravejaram o corpo. parece que numa viagem ao afeganistão e ao paquistão ficou muito impressionado com os horrores que por lá viu. ainda não é certo se terá ligações à al-qaeda, mas os seus crimes e a sua motivação sugerem que não actuaria sozinho. o irmão abdelkader merah, de 29 anos, foi detido e interrogado. apesar de negar quaisquer ligações aos planos de mohamed, declarou que se sentiu orgulhoso dos seus actos. abdelkader está orgulhoso do irmão homicida de crianças; está orgulhoso de este se ter barricado em casa com metralhadoras e bombas; de ter saltado pela janela enquanto atirava à polícia, cometendo assim uma espécie de suicídio. mohamed matou e matou-se e é motivo de orgulho por isso…. é um herói para os que, como ele, entendem que têm o direito de matar inocentes. o mundo está cheio de fanáticos. nenhum é herói de coisa nenhuma.
família moderna
michelle obama afirmou há dias numa entrevista a david letterman que o cão de água português bo é mais um filho que tem. repetiu que não tem duas filhas, mas três filhos, contando com bo, o mais novo. o discurso é conhecido entre os que gostam dos seus animais de estimação e os consideram membros da família. michelle obama não está a dizer nada de novo, mas a relação familiar com o seu cão pode não ser exactamente aquela em que está a pensar. ou melhor, até pode acreditar que bo é seu filho, mas não é de certeza o mais novo. as contas das idades dos cães e dos gatos são complicadas de fazer. nos cães é ainda mais difícil porque tudo depende da esperança média de vida de cada raça. é consensual que cães pequenos e médios vivem mais anos do que os maiores. assim, cheguei a um número para o bo, que em outubro deste ano fará 33 anos. isso faz de michelle aquela rapariga que casou aos quinze… ou seja, não é nada filho nem o mais novo, mas porque não fala e é dependente há logo a tentação de o deitar no berço. entretanto, concluí que o meu gato vai a caminho dos 70. nunca o tratei por ‘filho’ e ainda bem. podia confundir o pobre bicho, que afinal é meu ‘pai’.