Crise ameaça saúde

Até as famílias com nível de vida confortável não têm dinheiro para tratar as doenças. Idosos são situação preocupante

sem dinheiro para remédios

a crise económica chegou a quem, até há pouco tempo, tinha um nível de vida confortável. é o caso de joão – que pertence a uma família tradicional, da área da grande lisboa – que, por razões monetárias, abdicou de tomar os medicamentos de que precisava.

os negócios da empresa de joão começaram a correr mal, deixou de ter dinheiro para pagar aos empregados. e, perante as dificuldades económicas, este empresário – com problemas de colesterol e hipertensão – decidiu deixar de tomar toda a medicação. resultado: deu entrada no hospital de setúbal com um enfarte.

uma cardiologista referiu ao sol que casos destes começam a ser frequentes. «tenho um doente coronário que parou toda a medicação, só não deixou a aspirina», exemplifica. trata-se de um homem, de 65 anos, que era empresário, e que até tinha uma quinta na zona de sintra, com cavalos, e que, nesta altura, «está na ruína». ele e a mulher estão reformados e a filha encontra-se desempregada. o casal vive angustiado porque tem de conseguir sustentar a filha e também a neta.

liliana.garcia@sol.pt

 

mal nutridos e sem higiene

ana, uma idosa, entrou desidratada e com uma infecção respiratória grave na urgência do novo hospital de loures. já devia ter ido mais cedo, mas as dificuldades económicas dela e do filho adiaram a deslocação ao médico. «há muitos idosos que nos chegam em mau estado geral: mal nutridos, sem higiene», conta carlos palos, director das urgências do hospital beatriz ângelo.

o responsável diz que tem assistido a «situações dramáticas» e as urgências da unidade só abriram as portas há um mês. aliás, todos os dias pelos menos 10 doentes – dos 280 vistos no serviço – chegam em situação muito precária. e já nem os filhos conseguem ajudar os pais, a falta de dinheiro leva-os a interromper os tratamentos e a recorrer à urgência apenas em último caso. «chegam em pior estado», confirma ana frança, directora-clínica do hospital garcia de orta, em almada.

e tal como sucede com as crianças, também há cada vez mais idosos a ir sozinhos ao hospital. «antes traziam sempre acompanhante. agora como não há dinheiro só vem mesmo quem precisa», explica.

joana.f.costa@sol.pt

 

abandonados nos hospitais

a mãe de paulo teve alta hospitalar, ele não tinha dinheiro para a transportar para casa. uma história idêntica à de muitos portugueses que deixam os seus idosos no hospital. «estava desesperado e disse que, quando a mãe estiver completamente dependente, que a abandona no hospital», relatou ao sol a assistente social que acompanha o caso.

paulo, solteiro de 50 anos, arrendou o seu apartamento e mudou-se para a casa de uma tia, para cuidar dela e da mãe. entretanto, a tia morreu e ele herdou a casa. mas foi uma pesada herança porque não tem dinheiro para pagar o imposto sucessório. para piorar a situação, o casal a quem arrendou o apartamento deixou de pagar renda. com um vencimento de 800 euros, paulo não consegue colocar a mãe num lar. toda a situação levou-o a uma depressão. «sempre fui o menino delas e vi-me a ter de mudar as fraldas à minha mãe e à minha tia», desabafou com a assistente social.

a crise está também a levar os ciganos a colocar os idosos em lares por não terem dinheiro para os sustentar. «nunca tinha visto um caso como este; a etnia cigana é muito ciosa dos seus familiares e cuida dos seus», conta ana frança, directora-clínica do hospital garcia de orta, almada.

j.f.c/l.g.

profissionais liberais na miséria

uma advogada, de 40 anos, perdeu o emprego e pouco depois descobriu que tinha um cancro. os tratamentos impediram-na de voltar a exercer, acabando por não poder pagar a renda da casa onde vivia. ficou sem tecto e pediu ajuda à maternidade alfredo da costa, em lisboa «foi encaminhada para a misericórdia que lhe garantiu alojamento e apoio», diz a directora dos serviços sociais, fátima xarepe.

estes casos estes são cada vez mais frequentes. «aparecem-nos muitos sem-abrigo e têm surgido situações de pessoas que viviam bem e acabaram na rua», refere uma assistente social de um hospital de lisboa. na sua unidade deu entrada, com um acidente vascular cerebral (avc), um ex-bailarino da gulbenkian, na casa dos 50 anos, que estava a viver na rua. um problema na coluna, impediu-o de trabalhar.

 ficou com uma reforma de 200 euros, e tornou-se alcoólico e sem-abrigo. «a família não sabia dele há dez anos», conta a técnica. mas o avc mudou-lhe a vida: «quando se viu no hospital, sem poder andar, ganhou uma nova vida. e a família ficou feliz porque significou um novo recomeço». o ex-bailarino teve alta e a filha e a irmã uniram-se para lhe pagar a estada num lar.

j.f.c./l.g.