‘Dívida privada pode vir a ser um problema’

O principal conselheiro económico de Lucas Papademos considera que o elevado endividamento de empresas, banca e famílias em Portugal é um problema «mais grave» que o da dívida do Estado

a situação de portugal é assim tão diferente da grega?

portugal é diferente da grécia. a crise portuguesa não começou com uma dívida do estado tão elevada como a grega e, desde o início, sempre existiu um consenso alargado entre os partidos políticos para a aplicação das medidas e do programa da troika. porém, o endividamento do sector privado (famílias, banca e empresas) português é muito maior do que na grécia. a dívida privada é um problema mais grave do que a dívida pública e pode vir a criar problemas no futuro. o que ambos os países têm em comum é a ausência, ou escassez, de reformas estruturais, nos últimos dez anos, e que agora têm de ser implementadas. infelizmente para portugal, o país foi arrastado para esta crise devido à grécia.

o destino de portugal poderá seguir o grego, independente de estar a cumprir o acordo com a troika?

quando a grécia começou a apresentar problemas financeiros e a falhar metas da troika, as atenções centraram-se em atenas e ninguém olhou para portugal. mas, como sabemos, os mercados financeiros estão agora concentrados em portugal e não estão a olhar para espanha ou itália, por exemplo. enquanto a crise na zona euro continuar, os países periféricos serão sempre os mais vulneráveis. é preciso não esquecer que apesar das últimas medidas, a crise não terminou.

faz sentido que a troika tenha usado a mesma fórmula que usou na grécia após um ano e após ter reconhecido que tinha exagerado na dose de austeridade?

os líderes europeus não tinham qualquer experiência em lidar com países do euro em dificuldades e no início apostaram, quase exclusivamente, em políticas de austeridade e o resultado foi o que se viu. os responsáveis deviam ter apostado nas reformas estruturais, logo de início, em detrimento da austeridade fiscal. esta restrição fiscal acabou por provocar uma recessão maior do que o esperado nos países onde foi aplicada. mas agora não vale a pena chorar sobre leite derramado. temos de olhar para o futuro. penso que as reformas estruturais vão levar algum tempo a ter efeito, mas estou confiante. se a zona euro permanecer segura e intacta, penso que a grécia e países como portugal vão ser bem sucedidos.

os gregos estão preparados para mais de dois ou três anos de medidas de austeridade?

a população grega atingiu um ponto em que entendeu a necessidade de renovar e reformular o funcionamento do estado. os gregos estão nervosos e prestes a explodir, mas sabem que não se podem queixar porque o estado já não tem dinheiro para lhes pagar. ou seja, o método tradicional de protesto não funciona. é por isso que precisamos de eleições. muita gente pergunta: por que precisamos de eleições? é precisamente para libertar esta válvula de dor. temos de saber como vai a situação evoluir daqui para a frente. penso que o pior já passou. o desemprego não deverá crescer tanto como entre 2009 e 2011. um terceiro resgate é pouco provável, mas penso que será difícil regressar aos mercados em 2015, tal como previsto pela troika.

quais são os grandes desafios da grécia?

no curto prazo, é resolver o problema de liquidez, o pessimismo da população e a falta de confiança dos mercados. o processo de reestruturação da dívida foi um sucesso, é preciso ver como corre a recapitalização da banca e é necessário recuperar os depósitos perdidos. durante a crise, a grécia já perdeu 25% dos depósitos, cerca de 50 a 60 mil milhões de euros. estes são desafios a longo prazo.

*na grécia, a convite da comissão europeia

luis.goncalves@sol.pt