Judite Sousa: ‘Na TVI, reinventei-me’

Licenciada em História, entrou para a RTP Porto ainda não tinha 19 anos, mudou-se para Lisboa pela mão de José Eduardo Moniz e chegou a directora-adjunta de Informação da RTP. Apresentou noticiários, fez entrevistas e reportagens. Deixou a sua primeira casa, ao fim de 32 anos, e é hoje a directora-adjunta de Informação da TVI.…

link: programa de judite sousa e medina carreira inspira livro.

há um ano, dizia ao sol que as pessoas ainda não sabiam que tinha saído da rtp. agora, já a identificam com a tvi?

julgo que sim. é surpreendente para mim ter estado durante 32 anos ao serviço da rtp e ser bem recebida pelos espectadores da tvi. quando se muda, há duas reacções possíveis: uma de aceitação, que julgo que aconteceu comigo, e o risco de as pessoas dizerem: ‘ela era uma imagem da rtp. mudou porquê? que disparate! não a queremos ver’. para minha felicidade, as pessoas falam comigo na rua e gostam do meu trabalho, e as audiências não reflectem indiferença nem rejeição. talvez a minha saída tenha sido bem explicada por mim e as pessoas tenham percebido que há momentos em que somos livres de fazer o que achamos ser melhor para nós.

era necessário o retorno aos noticiários para se afirmar no canal?

era indispensável, porque quem não aparece desaparece.

poderia aparecer noutro espaço. as suas entrevistas estão integradas no jornal das 8, mas poderiam ser um espaço à parte.

na grelha de programação da tvi, nunca esteve previsto que houvesse um programa autónomo de entrevistas. não existindo esse programa, a minha presença em antena tinha de estar salvaguardada através do jornal.

quando regressou como pivô, foi difícil sair do registo livre das reportagens e das entrevistas para seguir um alinhamento?

na rtp tinha um programa semanal que era a grande entrevista. já não tinha o vidas contadas, um programa de reportagens que foi um esforço sobre-humano da minha parte. fiz um trabalho interessante, com resultados muito positivos. quando deixei de fazer também ninguém me disse: ‘que pena, acabou’, ‘obrigada’ ou ‘faça mais’. o programa entrou e saiu da grelha como se nada fosse. e eu fiquei com o meu programa de há 13 anos – a grande entrevista. por isso, encarei a minha mudança para a tvi numa perspectiva de me reinventar. acho que o segredo para um profissional de tv está em saber perceber num determinado momento: devo ou não dar uma volta de 180º, devo ou não voltar a baralhar e dar de novo?

fez essa reflexão?

pensei em tudo isto e decidi que a minha vinda para tvi iria corresponder a essa vontade de me reinventar. não queria ficar toda a vida agarrada um programa que fazia há 13 anos e que se tinha constituído como uma marca, uma marca pessoal. estava no momento de fazer sair novamente jogo para cima da mesa.

quando entrevista o primeiro-ministro, como na semana passada, a preocupação é obter uma notícia, enquanto ao entrevistar ronaldo procura satisfazer a curiosidade das pessoas?

qualquer entrevista tem como fim último a obtenção de uma notícia. obviamente que o primeiro-ministro e o melhor jogador do mundo são pessoas com níveis de responsabilidade distintos e não posso abordar jornalisticamente o ronaldo como abordo jornalisticamente o pm. e esse exercício não me é custoso porque fi-lo durante 13 anos na rtp. desenvolvi esse ecletismo ao nível do questionário e é uma coisa que faço com tranquilidade.

esteve com o alpinista joão garcia, depois do acidente, num hospital. a sua equipa conseguiu que ele mudasse de quarto para o poder entrevistar. vai onde for preciso para entrevistar alguém?

isso foi logo no princípio da grande entrevista, talvez em 1999. ele tinha acabado de sofrer o acidente, esteve às portas da morte, foi hospitalizado em saragoça e eu fui lá entrevistá-lo. sou como o slogan da tsf: vou onde a notícia estiver.

na primeira entrevista que deu após este ano de tvi, disse que se sentia ‘bem’ e ‘feliz’. nunca se arrependeu da mudança?

não há razões para me sentir arrependida. a rtp é uma empresa que está sob um intenso e feroz escrutínio público, as pessoas que trabalham na rtp viram os seus salários reduzidos dramaticamente, perderam os subsídios de férias e de natal, há uma parte da classe política a querer que ninguém ganhe acima do salário do presidente, a empresa está em fase de privatização, não sabemos se vai parar às mãos de angolanos, de árabes, de chineses. perante este quadro, alguém que teve a oportunidade de sair deste sufoco, melhorar as condições contratuais, ter outras oportunidades profissionais… não estou a ver por que haveria de me arrepender.

nessa entrevista orgulhava-se de ter feito 40 entrevistas, 20 médias reportagens, dois casamentos reais…

e um programa na tvi24.

é importante para si contabilizar?

não. mas não há mal em lembrar.

mas traz-lhe conforto poder contabilizar um ano de trabalho em 40 entrevistas?

tenho um contrato de trabalho muito rígido, que me obriga a cumprir determinados objectivos e eu gosto de trabalhar. e ninguém pode ser culpabilizado por trabalhar. aconteceu realmente que neste ano fiz muita coisa, mas era suposto contratualmente fazer muita coisa.

por si também já faria muita coisa? diz sempre que é obcecada por trabalho…

tenho alguma dificuldade em perceber por que as pessoas me questionam nestes termos, porque é suposto as pessoas trabalharem. o que não é suposto é as pessoas estarem em casa a receber um ordenado e não fazerem nenhum. umas poderão ser mais trabalhadoras do que outras, mas é suposto as pessoas trabalharem. o país precisa que as pessoas trabalhem muito. e eu mais não faço do que cumprir aquilo a que estou obrigada contratualmente. além disso, não sou preguiçosa e não tenho um marido que sustente os meus pequenos luxos.

o que acha que faz melhor?

sempre encarei o jornalismo com humildade. desde muito nova, percebi que a longevidade da carreira está directamente relacionada com a capacidade e a vontade de se tocarem todas as teclas do jornalismo. ninguém me ensinou isto, aprendi por mim. porventura, olhando para exemplos que não eram bons. sempre tive bem claro que, para sobreviver na profissão com dignidade e impacto nos espectadores, teria de estar disponível para fazer reportagens, entrevistas, debates, telejornais.

não consegue dizer o que faz melhor?

acho que sou uma boa contadora de histórias. estive 12 anos só a fazer reportagem e sou de raiz uma repórter. o meu caminho profissional não é um caminho de estúdio e tenho a noção de que comecei como repórter e vou acabar como repórter. não quero fazer a figura triste de acabar encarquilhada em frente a uma câmara.

o caminho de grandes jornalistas, como anderson cooper ou barbara walters, passa também por talk shows. isso poderia ser o seu caminho?

já pensei nisso. ao mudar para a tvi, perguntaram-me: ‘vais deixar a grande entrevista? o teu programa de referência?’. quis fazer coisas diferentes. as pessoas têm de ter a noção que é importante deixarem nos outros uma lembrança e eu quis deixar uma lembrança positiva. devemos sair das coisas quando estamos em alta e eu sou espectadora de programas que já deram o que tinham a dar.

há muitos programas desses em portugal?

os projectos editoriais têm o seu tempo de vida e é importante – até por respeito pelo público – pôr um ponto final nas coisas. e eu fiz isso. dito isto, a minha resposta à sua pergunta é afirmativa. agora, estou envolvida num conjunto de projectos… tenho muita dificuldade em compreender os jornalistas que se fecham em gabinetes, porque os grandes nomes do jornalismo de que fala também vão para damasco.

esses nomes são as suas referências?

são os anderson cooper da vida, a claire chazal, a barbara walters, que tanto estão nos seus plateaux a fazer jornais como no haiti se houver um terramoto.

mas imagina-se a ter um talk show como barbara walters?

não sei. não sei se aos 80 anos terei jeito para isso!

francisca.seabra@sol.pt