As (outras) direitas

Duas eleições, uma a 22 deste mês, outra a 4 de Novembro, ilustram uma questão muito importante para a definição do futuro da direita.

em frança, marine le pen disputa a nicolas sarkozy o voto da direita. a líder da frente nacional tem uma expectativa de voto que embora tenha baixado esta semana, é significativa. e não é de esperar que, numa segunda volta hollande-sarkozy, os eleitores nacionalistas dêem em massa o seu voto ao actual presidente.

nos estados unidos, mitt romney, apesar do endosso do establishment republicano, não foi capaz de conseguir aquela base de apoio entre os delegados que lhe permitiria assegurar já a nomeação pelo gop.

os estados unidos e a frança são estados importantes e esta divisão na metade não esquerda ou na metade direita do espectro político é real. e, curiosamente, apesar da diferença de culturas políticas dos dois países, há semelhanças interessantes entre os candidatos da direita anti-sistema.

semelhanças ideológicas, sobretudo. mas que se reflectem não só na política – política, mas também na política cultural, na política económica e na composição social dos eleitorados.

na frança, a frente nacional é essencialmente um partido identitário, nacionalista, eurocéptico e popular (populista para os inimigos). há mais operários franceses filiados e votantes na frente nacional que no pcf e o recuo de le pen vem da concorrência da frente de esquerda de jean-luc mélenchon. nos estados unidos, rick santorum tem sido a sombra negra de romney que tem um historial de posições ambíguas quanto a temas decisivos (para a direita), como a oposição do aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo). romney é, além disso, muito rico, e encaixa no número dos predadores financeiros que, de acordo com o cliché populista, se entendem com os políticos para pilhar a classe média.

apesar de contar com infinitamente mais dinheiro que santorum, o que lhe tem permitido uma campanha de negative ads contra os seus inimigos e de estar apoiado pela maioria dos notáveis do partido, ainda não conseguiu um avanço claro.

isto não é assim tão esquisito quando dois em cada três eleitores republicanos se intitula conservador e só um moderado. os liberais desapareceram do gop.

esta mudança na europa (ver os casos da hungria, da finlândia, da itália, etc.) e nos estados unidos tem a ver com a ressurgência de uma direita orgânica, nacionalista e popular, que foi absorvida na reacção nacional-conservadora anglo-saxónica dos anos oitenta do século passado, mas que começou a reformular-se e fortalecer-se com a crise da união europeia e do modelo da globalização democrática e capitalista.

a crise económico-financeira de 2008 e os seus custos económico-sociais criaram o desencanto e o cepticismo numa parte das classes médias europeias em relação aos modelos de desregulamentação e liberalização individualistas. a crise do subprime, mais a deslocação para o exterior de potencial industrial do país e as guerras infelizes do iraque e do afeganistão agravaram a percepção da decadência nos estados unidos.

a busca de valores de orientação permanente, a reafirmação da permanência e da prioridade do político, o entendimento da importância estratégica da nação, são também consequências e causas da afirmação desta direita nova e diferente.

um fenómeno que tarda a chegar aos países da península ibérica, talvez pela persistência tardia dos autoritarismos pessoais de franco e salazar, que incorporavam alguns destes valores políticos, na sua versão tradicional. mas já lá vão 40 anos.