Um sombrero

Estamos habituados a ver os políticos em campanha eleitoral a fazer coisas que parecem extravagantes, mas que não são mais que tentativas de conquistar o eleitorado.

dito assim, a política parece uma actividade pouco séria. uma imagem que ilustra esta actividade é a de mário soares em cima de uma tartaruga numa visita oficial às seychelles. não estando em campanha na altura, a ideia seria a de manifestar empatia com o sítio onde estava. a fotografia era divertida. mas uma coisa são os políticos, que, como sabemos, têm necessariamente de representar e mentir. outra coisa, bem mais surpreendente, é ver o papa bento xvi, na sua recente visita à américa latina, a usar um sombrero que lhe foi oferecido quando chegou ao méxico. as imagens correram mundo e divertiram e comoveram os fiéis. a mensagem que o papa transmitiu aos católicos em todo o mundo foi de paz e integração numa comunidade que sobrevive num ambiente de violência. o papa de sombrero estava a dizer que chegava a uma casa que também era dele. também ele fazia parte daquele sítio, do qual não era oriundo, unindo os católicos de um modo original. foi uma bela homenagem. ratzinger ‘4ever’.

sou contra

fechou a única livraria em portugal dedicada exclusivamente à venda de livros de poesia. falei dela há tempos, quando a descobri, sei agora que demasiado tarde: era a poesia incompleta. situada no número 11 da rua cecílio de sousa, em lisboa, a poesia incompleta era sobretudo o seu proprietário, mário guerra, mais conhecido pelo petit nom changuito. o sítio na cidade era único por causa da pessoa que o ocupava. é assim que se reconhecem os locais singulares: pelas pessoas que os habitam e que não são substituíveis, ao contrário do que os realmente substituíveis afirmam. houve assim uma perda a dobrar neste fecho inesperado. ficámos sem livraria e o mário guerra não sei para onde foi. apesar da notícia triste, brilha uma luz ténue de esperança no post curtíssimo no blogue da livraria, na promessa de que abrirá noutra morada, quem sabe, talvez em breve. mas não me animou. até que me ri com uma frase do changuito, que, em declarações à lusa, referiu que durante este tempo teve por dia «27 tipos chatos a acharem que sabem escrever poesia e meio cliente». fechou «sem dívidas e sem dúvidas». fez o que quis e partiu naquela estrada. fez bem e sou contra.

não há que ter medo

li um artigo na revista the new yorker sobre a utilidade dos novos meios de expressão online, sobretudo o twitter. sasha frere-jones começa por atacar a desconfiança de jonathan franzen, que há pouco tempo se insurgiu contra a comunicação no twitter, que lhe parece superficial e contrária à procura de argumentos válidos para defender pontos de vista. mais, segundo o escritor, o twitter estará a contribuir para a decadência do debate: a falta de espaço e a rapidez das conversas são os maiores inimigos da troca de ideias. compreendo o que diz, mas estou do lado de frere-jones, que diz que não há que ter medo dos novos meios, porque o twitter não substitui nada nem conversa nenhuma e ainda porque, como em tudo na vida, há participantes no meio que são muito bons a estimular discussões em que é preciso dizer o máximo em pouco espaço. a capacidade de síntese é desenvolvida e a atenção dos outros obriga à constante correcção do que é dito. a comunidade no twitter é exigente, está atenta, é participativa. e temos visto como é uma testemunha valiosa do quotidiano em tempo real. o twitter é um aliado da imprensa. não é por acaso que os jornalistas gostam tanto dele.

sob a óptica do utilizador

dominique strauss-kahn é um mistério para mim. por um lado vejo um homem pacato, culto e… baixo. por outro, as notícias sobre a sua vida revelam uma sordidez que não parece condizer com a figura. é evidente que nos podemos sempre enganar, sobretudo quando não conhecemos as pessoas, mas terá strauss-kahn assim tanta energia para forçar uma mulher? não significa que não tenha tentado alguma coisa. o homem poderá ser um predador, como dizem. ou pode apenas ser francês. e ser francês na américa já é ser um bocadinho abusador. na minha imaginação, cada vez menos fértil neste tema, dada a profusão de notícias sensacionalistas sobre strauss-kahn, havia um homem com uma forte tendência para abusar do imenso poder que tinha. o episódio de nova iorque seria representativo da impunidade com que toda a vida ‘seduzira’ (isto é francês) mulheres. não sei se será inocente do que o acusam, que é muito, mas tenho dificuldade em acreditar que o ex-director do fmi tenha sido proxeneta de uma rede de prostituição. não me custa a crer que strauss-kahn tenha experiência no assunto sob a óptica do utilizador. mas se a história é outra, então vou passar a acreditar em porcos que voam.

depressa é bom

li um artigo curioso na edição online da revista the atlantic sobre a relação entre a velocidade com que andamos a pé na cidade e a actividade económica do local. baseado em estudos que desde 1976 indicam a preocupação com o tempo gasto e o dinheiro ganho, eric jaffe conta que se anda mais depressa em cidades economicamente mais fervilhantes. a expressão ‘tempo é dinheiro’ adquire um sentido renovado e literal: o ritmo acelera quando há mais que fazer. e quando há mais que fazer, a carteira fica mais cheia. ou assim, pelo menos, deveria acontecer. o aspecto mais interessante dos estudos realizados em 1976, 1989, 1999 e 2006, aponta para um consenso na ideia referida. mas os sítios onde os peões caminham a toda a velocidade mudaram. observamos que dublin, por exemplo, em 2006, ainda fazia parte das dez cidades com um ritmo pedestre veloz. passados seis anos talvez já não seja assim. cidades como amesterdão, zurique, nova iorque são as mais apressadas. na grécia, é tudo mais devagar. mas no estudo de 2006 aparecem cidades na china e no brasil com gente a andar mais depressa. saberemos que portugal estará no bom caminho quando virmos pessoas na rua a correr.