Cinco Sentidos

Um dia, o país acordava e não havia a possibilidade de oprimir o próximo. Em vez das praxes, as universidades fariam recepções calorosas aos novos alunos.

vergonha nacional

a notícia de que duas raparigas terão sido espancadas por se recusarem a participar numa praxe em coimbra indignou muita gente, mas não provocou os efeitos que esperava. o crime terá ocorrido em outubro e, ao que parece, só agora um tal conselho de veteranos – haja paciência! – «abriu um inquérito» para apurar responsabilidades. sim, em março… ora, não há conselho nenhum a ter de apurar nada. o caso é de polícia e tribunais. ou a universidade de coimbra acredita que é um estado à parte, que obedece às suas próprias leis? é esperado da universidade que assuma as suas responsabilidades. e a expulsão dos infractores é o mínimo que se espera de qualquer instituição de ensino respeitável. proponho a seguinte solução para acabar de vez com as estúpidas praxes académicas, meras desculpas para humilhar e, pelos vistos, agredir o próximo: a suspensão de quaisquer apoios financeiros estatais às universidades que são coniventes com estas práticas. o estado não pode estar a contribuir para a manutenção de instituições que fecham os olhos a actos criminosos. não há ninguém com sentido de decência no país, que ponha um ponto final nestas manifestações de violência cobarde?

para começar

se eu fosse primeira cidadã de portugal, à boa maneira de augusto, em roma, embora no tempo presente, acabava com as praxes académicas, o acordo ortográfico e as touradas. dou o exemplo de um cargo romano (que nenhuma mulher exerceu, pelo que teria de me transformar por instantes num homem) por causa da sua natureza, que permitia a tomada de decisões sem usar muitas palavras. peço desculpa pela falta de sentido democrático, mas garanto que não precisava de seis meses para pôr ordem na casa. um dia, o país acordava sem haver aqui a possibilidade de oprimir o próximo, pelo menos destas três formas. as universidades não poderiam receber os alunos à pancada, porque correriam o sério risco de fechar portas. as praxes seriam substituídas por recepções calorosas aos novos alunos. não seria exigido aos cidadãos que mudassem a sua ortografia por alguém ter decidido, numa atitude déspota (e em democracia!), de cima para baixo, que seria bom ‘para a economia’. também ninguém poderia oprimir um animal para satisfação de outros tantos que se dizem humanos. estaríamos, então, em condições para voltar à democracia e resolver todos os outros problemas que temos.

novo mito urbano

q uando li a notícia sobre um rapaz chinês que teria vendido o seu rim para comprar um ipad, pensei que estaríamos perante um novo negócio ou um novo mito urbano. ainda estava mais ou menos fresca na minha memória uma notícia semelhante. recuperando a edição da tabu de 9 de junho de 2011, percebi que o rapaz chinês de que se fala agora na imprensa é o mesmo de que falei aqui há um ano. a diferença é a realidade actual de o rapaz estar a morrer de insuficiência renal. não sou dada à paranóia, mas já é a segunda vez que a história do órgão trocado pelo gadget aparece associado ao lançamento de um ipad. há um ano foi o ipad 2; agora saiu o novo ipad. o que têm em comum? um chinês de 17 anos com um rim a menos. admitamos que é estranho. confesso que não me dá jeito que o chinês seja o mesmo. já tinha pensado numa piada sobre os problemas do novo ipad com o wi-fi, que me levariam à conclusão de que, mais uma vez, não tinha valido a pena. posso dizer que não valeu à mesma, porque, como era fácil de prever em junho, saiu um novo modelo de ipad. mas a recuperação da notícia do chinês operado não é de fiar. será a concorrência aflita com o sucesso do novo tablet?

cascar na cebola

gunther grass, o mais célebre escritor alemão vivo, prémio nobel da literatura em 1999, escreveu um texto a que chamou ‘poema’. li a tradução no jornal guardian e não hesitaria em chamar-lhe um manifesto anti-semita. poderá ser um ‘poema’, mas só na medida em que está escrito em verso… com o título que pode ser traduzido por ‘o que tem de ser dito’, grass, ex-membro das waffen ss, de 84 anos, fala dos perigos que o estado de israel representa para o mundo em geral e, pasme-se, para o irão em particular. segundo o prémio nobel, israel constitui uma ameaça para o irão e para o povo iraniano, que não hesitaria em arrasar. o próprio grass acusa a alemanha de estar silenciosa sobre israel por causa de culpas passadas que não resolveu. o poema foi publicado no diário alemão sueddeutsche zeitung e mereceu fortes protestos de representantes políticos na alemanha e em israel. o escritor é agora persona non grata em israel e pode ser acusado judicialmente por declarações anti-semitas, que são consideradas crime na alemanha. entretanto, do irão chegam notícias de que gostaram muito. isto só para percebermos como o poema é mau em mais do que um sentido.

superfreak

a partir de uma referência no diário de notícias a uma notícia no daily mail, fui ter a duas bizarras personagens que habitam o universo do youtube. dakota rose e venus palermo são duas raparigas de 15 ou 16 anos, que parecem estar a fazer furor num certo meio adolescente feminino, ou masculino acima dos 50, aparentemente anglo-saxónico, ou provavelmente japonês. são parecidas com a barbie e protagonizam uma série de vídeos com dicas de maquilhagem e penteados para ter aquele aspecto de bonecas vivas. é possível que ‘vivas’ seja um modo de expressão, porque o resultado é plástico e diria que sinistro. a atitude de ambas é no mínimo desconcertante. chovem comentários de acusação a dakota rose por dizer que tem 16 anos, quando na verdade –que horror! – tem 19. a utilização do photoshop é outras das suspeitas que pairam sobre as auto-intituladas bonecas vivas. mas não há photoshop nos vídeos e as semelhanças com a barbie (sobretudo dakota rose) são bastante evidentes. a mãe de venus palermo diz que lhe parece bem que a filha se vista de boneca com folhos. o que fazer quando são as raparigas que se disfarçam de objectos e as mães não hesitam em apoiar?