Surfar no Tejo na onda do catamarã [fotos

Junto à estação do Barreiro, à hora de ponta, sempre que a maré permite, o improvável acontece: em pleno Tejo, nas pranchas, um grupo de amigos espera que os catamarãs passem para surfar as ondas que levantam.

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já lá vão dez anos desde que este grupo de amigos do barreiro, na margem sul do tejo, começou a surfar no rio, concretizando um «sonho de miúdos».

«isto é um sonho que nós temos. já que não vivemos em frente a uma praia de ondas, tornou-se realidade surfar à porta de casa. é engraçado e é uma coisa diferente, é uma coisa que não se vê quase no mundo inteiro», disse à lusa ricardo carrajola, um dos elementos do grupo de surfistas, com idades entre os 25 e os 36 anos.

foi a mudança de barcos na empresa que assegura a ligação barreiro-lisboa que tornou o sonho possível. a substituição dos antigos cacilheiros pelos catamarãs, mais potentes e mais rápidos, transformou o fundo dos rios, permitiu «acertar as ondas com o banco de areia» e criar uma ondulação.

o que se seguiu foi quase um processo científico. ricardo carrajola diz que passou longas horas, durante muitos dias «de volta das marés e dos ventos», a estudar a sua conjugação com a hora de ponta dos barcos para obter as condições ideais. o resultado foi um calendário em que se marcam os únicos seis dias por mês em que é possível surfar no rio.

«estamos dependentes de várias condicionantes: marés, ventos, velocidade do barco, se vai cheio, se vai vazio. não é uma coisa fácil de apanhar. mesmo nós temos dias que vimos aqui e não conseguimos apanhar uma onda de jeito», revelou ricardo carrajola.

nuno príncipe, outro dos surfistas do grupo, disse à lusa que ele, tal como todos os outros, já correu o país de norte a sul para surfar.

ele, como os outros, nunca imaginou que o sonho de surfar no tejo se concretizasse. agora que é real, diz que o apelo do rio é sobretudo o pretexto para mais uma reunião de amigos.

os rituais, esses, são os mesmos. levantam-se cedo, seguem em direcção ao rio, vestem os fatos enquanto o dia ainda está a nascer, pegam nas pranchas e correm para a água quando o sol ainda é uma meia-lua laranja cortada pela linha do horizonte, quando ainda não emana qualquer calor que atenue o frio das manhãs de inverno.

pacientemente, em cima das pranchas, com a ponte sobre o tejo e o cristo rei como pano de fundo, os seis, sete surfistas que costumam compor o grupo, esperam pela passagem dos barcos. e pelas ondas, que chegam com hora marcada.

é que eles, que conseguem por vezes flexibilizar o início do dia de trabalho, contam com os horários rígidos da maioria que, entre as 7h00 e as 9h00, em intervalos constantes de dez minutos, parte em direcção a lisboa, enchendo os barcos e criando o peso e o lastro necessários para as melhores ondas.

e é durante esse período que os passageiros que olharem pela janela avistam o grupo, a gritar e a acenar a quem comanda o barco, a levantar a prancha pedindo-lhe para acelerar. de tanto ver os surfistas no tejo, os pilotos já colaboram.

«temos aí condutores que nós acenamos e eles aceleram, entram um bocado no jogo, porque quanto mais depressa o barco for, melhor, maior é a onda», contou ricardo carrajola.

assim que o barco passa, posicionam-se, tentando encontrar o melhor sítio para apanhar a onda, com uma formação certa, que se prolonga por largos metros e que leva ainda algum tempo até se desfazer.

surfar no rio ou no mar, garante nuno príncipe, «é completamente diferente».

«numa onda de mar consegues ver a onda a formar-se e posicionar-te e perceber que é aquela onda que vais fazer. aqui é diferente, o barco passa e é preciso ter conhecimento local para perceber onde é que a onda vai dar e, mesmo assim, nem sempre conseguimos estar no sítio certo à hora certa», explicou.

marcos anastácio já fez do surf a sua vida, mas o antigo campeão nacional diz que o desporto é agora a «15.ª prioridade». de vez em quando ainda veste o fato para «desfrutar», daí ter aceitado o convite do grupo para ir conhecer as ondas do tejo.

«faço surf há 27 anos, já vi um bocadinho de tudo e pensava que já tinha visto tudo. foi mais uma experiência agradável, é diferente, não é a mesma coisa que o oceano, mas no barco das 8h20, o ‘gil vicente’, chega a ser», disse.

a crise, que chegou a todo o lado, ameaça também o sonho dos surfistas do rio. com o preço dos combustíveis em alta, as ordens são para cortar também na velocidade dos barcos.

«eles agora também estão um bocadinho ‘à rasca’, têm que andar um bocadinho mais devagar, estraga um bocado os planos ‘à malta’», lamentou ricardo carrajola.

ricardo fala do surf no tejo como um projecto de vida, garante que «tem gosto» em partilhá-lo com o resto do mundo, mas receia que «aquele cantinho místico do tejo» seja invadido por curiosos e se perca o ambiente de quase exclusividade, de tesouro escondido e segredo bem guardado, que anima o grupo de amigos há uma década.