a busca começou depois de, em março do ano passado, galliano ter sido despedido pela dior por insultar duas clientes e afirmar o seu amor a hitler num bar. o vídeo correu mundo e a casa nomeou bill gaytten, o braço-direito de galliano, director criativo interino.
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a lista de candidatos ao lugar incluía nomes sonantes como marc jacobs, da louis vuitton, alber elbaz, da lanvin, ricardo tisci, da givenchy, sarah burton, da alexander mcqueen, e até haider ackermann, o colombiano que karl lagerfeld chegou a cobiçar para a chanel.
em fevereiro, porém, quando raf simons se despediu emocionado da jil sander, após o desfile na semana de moda de milão, a teoria de que seria ele o sucessor de john galliano adensou-se. a confirmação chegou na semana passada, culminando negociações que duravam há seis meses. em comunicado, o grupo lvmh, detentor da dior, considerou raf simons «um dos maiores talentos actuais para prosseguir o trabalho do seu fundador [christian dior, que criou a casa em 1946]». já o belga afirmou estar «entusiasmado e honrado». na primeira entrevista que deu após a nomeação, ao new york times, referiu ainda: «para mim, o impacto mais forte da dior está nos seus primeiros dez anos. e agora em como ligar isso ao século xxi. acho desafiante repensar a moda».
raf simons apresentará a sua primeira colecção à frente da dior em julho, na semana de alta costura, em paris, e terá, seguramente, o olhar do mundo da moda sobre si. será o belga capaz de manter no topo a christian dior couture (que inclui prêt-a-porter e alta costura de mulher) que, em 2011, apresentou lucros de mais de mil milhões de euros?
à frente do seu tempo
a verdade é que aquilo que john galliano fez pela dior – na altura em que o polémico designer entrou, a casa encontrava-se perto da falência –, raf simons fez pela alemã jil sander. não é portanto de estranhar que, apesar de não parecer uma escolha óbvia, a expectativa para a primeira colecção do belga seja gigante. «ele é extraordinariamente talentoso. combina capacidade e visão com modernidade e um ponto de vista, o que é essencial para liderar uma marca de moda nestes dias», afirmou a editora da vogue inglesa, alexandra shulman.
filho único, o pai era militar e a mãe empregada de limpezas. raf simons cresceu na pequena localidade rural de neerpelt, na bélgica, onde o único acesso à cultura moderna acontecia na loja de discos. era aí que simons descobria o mundo, através dos álbuns de kraftwerk e joy division. ainda hoje a música é parte central da sua vida, sobretudo a electrónica. «no coração sou um club kid e não há um dia que passe sem ouvir o plastikman aka dj richie hawtin. vi-o a primeira vez quando tinha 20 e tal anos, no i love techno, um dos maiores eventos do género na bélgica, onde vão 60 a 70 mil jovens. ele é um mestre: é o mais duro, o melhor e tecnologicamente é o mais inovador», disse recentemente à w magazine.
bom aluno, os professores quiseram convencê-lo a seguir uma área ‘mais convencional’ como direito ou medicina, mas simons optou por estudar design industrial numa cidade vizinha dominada pela indústria automóvel. terminado o curso começou a trabalhar como designer de mobiliário, mas ao descobrir os chamados ‘seis de antuérpia’ – nos quais se incluem dries van noten, ann demeulemeester e walter van beirendonck, e que simbolizavam uma forte vaga de design de moda dos anos 80 com origem na bélgica – despertou para a moda. até então era uma realidade que não lhe interessava.
com a ajuda de linda loppa, à data directora da academia de moda de antuérpia, conseguiu um estágio com van beirendonck e, em 1995, criou a primeira colecção em nome próprio. não demorou muito para que fosse considerado um dos grandes inovadores da moda masculina.
a sua inspiração esteve sempre intrinsecamente ligada aos jovens belgas. escolhia os modelos para os seus desfiles nas ruas de antuérpia e alguns desfilaram para ele durante mais de uma década. e eram mais do que meros modelos: parte do processo criativo passou sempre por pedir opinião a estes homens. fruto desta postura, as suas criações foram sempre carregadas de mensagens urbanas e referências culturais. a colecção ‘sometimes you have to fight for your freedom’ foi mostrada em 2001, pouco antes dos ataques terroristas aos eua, e vinha já carregada de mensagens anti-globalização e eco-terrorismo. de alguma forma, raf simons parece ter estado sempre um passo à frente.
tímido e recatado, raras foram as entrevistas que deu. nunca procurou a exposição, mas esta chegou em 2005, quando foi convidado para director criativo da jil sander, marca deixada à deriva pela sua própria fundadora e entretanto comprada pelo grupo da prada.
pela primeira vez a criar para mulher, simons redescobriu a alma da marca, sobretudo a partir da sua terceira colecção, para o outono/inverno 2007/08, que os críticos consideraram um marco na moda contemporânea. a sua estética minimalista e o uso de cores vibrantes revelaram, uma vez mais, o seu fascínio pelo futuro. «um desfile com influências literais não me faz pensar nem sonhar. gosto de fantasiar sobre o que o futuro pode ser em termos de estética e psicologia. claro que, para tal, preciso de partir do passado», explica.
na dior, raf simons não terá certamente problemas em encontrar um arquivo de obras passadas que o catapultem para esse sonho de futuro. mas encontrará outros problemas. o designer que sempre disse não se sentir à vontade nos desfiles, rodeado de jornalistas, fotógrafos e figuras públicas, terá de se libertar da sua timidez e aprender a ser uma estrela. afinal, é a dior.