Alguma vez imaginou que o seu sucesso se ficasse a dever à RTP2?
Não. Imaginava-me a fazer aquilo de que gosto mais, que é escrever. E desejava que a escrita de guiões, nos jornais e os workshops de escrita criativa me garantissem sustento. Dar a cara na TV não me passava pela cabeça. Mas a partir do momento em que comecei a fazê-lo, há oito anos, tive sempre uma relação umbilical com a RTP2.
É uma pessoa muito diferente do apresentador de A Revolta dos Pastéis de Nata?
Não tenho o hábito de me analisar. Se mudei é porque tenho mais bagagem e mais experiência. Depois, acredito que o 5 para a Meia Noite herdou o espírito dos Pastéis e continuo a ter uma inconsciência bastante saudável em relação ao trabalho.
Mas já se pode dizer que é um apresentador de televisão?
Se o critério for o IRS, acho que sim, porque é uma parte substancial dos meus rendimentos. Mas a palavra apresentador aplica-se melhor ao Jorge Gabriel, ao Malato, à Sílvia Alberto, à Catarina Furtado. Gosto mais de dizer anfitrião, que dá um ar de sala de estar, de quem preparou bolachinhas e chá para os convidados. Ser um apresentador é uma profissão à parte e não é qualquer pessoa que o faz. É preciso ter jogo de cintura e não sei se teria a capacidade de fazer, sempre a sorrir, aqueles especiais que duram horas.
Como é que uma pessoa que termina Direito se torna humorista?
Queria ser actor e disse-o aos meus pais, com 16 anos. Ao fim de três segundos de reflexão, eles responderam-me: ‘Nem pensar’. Então decidi ser advogado. Na época, papava tudo o que eram séries de advogados na televisão.
E acabou por se sair bem?
Tive média de 14 valores e poderia ter sido melhor aluno se, no último ano, não tivesse percebido que não queria fazer aquilo. Mas estava longe de imaginar que ia parar ao humor. Aconteceu de forma casual: depois de trabalhar para uma pequena produtora, recebo um convite das Produções Fictícias.
Mas foi sempre daquelas pessoas de fazer muitas piadas?
Sempre fui muito tímido, e tinha no humor uma estratégia de defesa e afirmação. Num certo momento, percebi que o humor era uma forma de evitar corar tantas vezes, mas nunca fui o palhaço da turma e a maioria dos comediantes não o foram. Os palhaços da turma que conheço têm hoje profissões profundamente deprimentes e alguns nem vivos estão.
Agora o seu programa está na RTP1. Qual foi a razão para a mudança de canal?
Por causa da crise, houve cortes muito grandes nos orçamentos e a RTP2 viu-se com menos três milhões de euros. O 5 para a Meia Noite, sendo um programa baratíssimo para qualquer generalista, já era arrojado para a 2. Felizmente, a RTP1 interessou-se.
Já disse que está preparado para as críticas. O que é que mais teme?
Temo que possa haver algum deslumbramento com a atenção mediática, com o facto de haver algum dinheiro… Estou a pôr o coração em cima da mesa, porque há um lado profundamente familiar que este programa sempre teve e tenho medo que nós mudemos porque há mais solicitações, mais concorrência, mais interesses publicitários. Tenho medo que isso nos possa desvirtuar.
Logo na estreia, perguntou a Sandra Felgueiras qual o entrevistado mais difícil que ela teve. E a si, quem é que lhe custou entrevistar?
Quando uma conversa não corre bem, a responsabilidade é sempre do anfitrião. E posso dar um exemplo: não consegui quebrar o gelo com o João Lagarto. Foi uma conversa muito monocórdica, telegráfica e não consegui fazê-lo sentir-se à vontade.
Escreveu há semanas no SOL que, numa limpeza que fez à carteira, encontrou uns poemas. Era alguma coisa que se aproveitasse?
Um ou outro. Mas havia sobretudo um poema que a minha mulher me escreveu e esse aproveitei. Tenho um livrinho publicado e de vez em quando ainda pego nele. Gosto até das coisas mais ingénuas, porque faziam sentido naquela época. E tenho outro livro de poesia fechadíssimo há anos, mas que acabei por deixar engavetado. As pessoas poderiam pensar: ‘Então o gajo dos Pastéis também escreve livros de poemas?’.
Nasceu nos Açores. Já viu o filme de Gonçalo Tocha, sobre o Corvo?
Estou ansioso para ver. A ilha do Corvo é um caso especial. Foi o único sítio onde as pessoas foram antipáticas comigo e eu gostei. Eles vivem numa espécie de Alcatraz no meio do Atlântico e não precisam de nós para nada. Parecem feitos de pedra. Têm orgulho na sua terra e são altivos.
Há uma espécie de irmandade entre os açorianos?
Há um orgulho, mas não tão forte como o dos madeirenses. A Madeira é um quintalinho e os Açores têm uma diversidade geográfica enorme, o que garante a impossibilidade de haver um Alberto João.
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