100 peças em 40 anos de Comuna assinalados com estreia nesta noite

Depois de quarenta anos de vida, a Comuna – Teatro de Pesquisa continua com o mesmo espírito com que nasceu: pôr em palco peças que nos façam pensar, que nos questionem, que lutem contra os poderes instituídos. E que melhor forma de comemorar um aniversário senão fazendo a festa com teatro?

a controvérsia de valladolid, de jean-claude carrière, sobe esta noite ao palco do são luiz (ficando em cena até 6 de maio, altura em que transita para o palco da comuna, até 17 de junho), numa encenação de joão mota, com carlos paulo, virgílio castelo e álvaro correia nos principais papéis. recuamos aos descobrimentos e vemos uma acesa discussão entre sepúlveda e frei bartolomeu de las casas. são os povos conquistados humanos? justifica o ouro a escravidão do outro?

são cerca de cem as peças que a comuna já levou à cena. nos palcos, estiveram dezenas de actores. virgílio castelo é a mais recente ‘aquisição’. é a primeira vez que trabalha com a comuna. «foi um convite que me honrou muito», diz. «achei irrecusável. e depois de ler a peça ainda mais contente fiquei por me associarem, de algum modo, ao 40.º aniversário».

também hélia correia não conseguiu recusar o convite de joão mota para subir ao palco em édipo-rei, de sófocles, em 1988. a peça foi um êxito, esteve muitos meses em cena. hélia já não aguentava fazer todos os dias a mesma coisa. «a experiência tornou muito mais funda a minha admiração pelo actor e pelo mistério do teatro. desesperada, passados quinze dias, perguntava-lhes: ‘vocês não estão fartos disto, todos os dias a mesma u coisa?’ diziam-me: ‘não, todos os dias é diferente’. tudo o que se passa no teatro é enigmático. há um grande mistério que nunca decifrei. o meu lado de dentro da comuna deixou-me uma recordação muito bonita».

fundada por joão mota, carlos paulo, melim teixeira, manuela de freitas e francisco pestana no 1.º de maio de 1972, a comuna nasceu numa garagem da praça josé fontana. o nome, votado pelo público da rádio renascença, viria a dar-lhes problemas. eram vistos como comunistas, como drogados. não se importaram. a vontade de fazer teatro era imensa. estrearam em outubro, com para onde is, a partir de gil vicente, e feliciano e as batatas, de catherine dasté. «os primeiros anos foram excitantes para todos nós: um teatro novo nascia, vivido pelos actores, sem a figura do empresário, sem ordens. colectivo, convicto, empenhado nas muitas transformações de mentalidades (e educação alternativa) de que necessitávamos», lembra jorge silva melo, que recorda espectáculos como o muro, a mãe e bão. «diziam apenas isto: para fazer teatro, é preciso dedicação, alma e actores (com actores podemos fazer tudo). vivíamos por ali».

também joaquim benite recorda os anos iniciais, lembrando que a comuna fez parte de um movimento que, entre o final dos anos 60 e o início dos 70, mudou o sistema teatral em portugal, do qual fizeram também parte a barraca, a cornucópia, o teatro de almada. «um movimento que contestava a maneira de fazer teatro da altura e procurava dar novas pistas e novos universos, e lutando contra a censura». como lembra o director do teatro de almada, que destaca o papel dinamizador da comuna, que abriu as suas salas a grupos mais jovens, tudo se fez sem dinheiro. «começámos sem apoios nenhuns, criou-se tudo a partir do zero».

com o ano de 1974 chega a liberdade. partem em digressão portugal fora, nas campanhas de dinamização cultural do mfa e começam as digressões internacionais, palmilhando a américa latina e a europa. é em 1975, porém, que a grande mudança ocorre. no espírito do prec, ocupam um espaço na praça de espanha. foi aí que construíram uma casa que se mantém de pé até hoje. «com os anos – já passaram 40? e parece que foi ontem – e com a casa (o casarão cor-de-rosa da praça de espanha) que naquela memorável noite e madrugada de 1975 em que saímos todos do barracão da almirante reis (onde apresentavam ‘a ceia ii’) fomos ocupar, a comuna passou a ser o centro de tudo o que começa», conta silva melo, notando que na comuna cresceu o bando, nasceu o meridional, começou, como tantos outros actores que chegavam do conservatório, diogo infante. «com a ligação de anos à escola superior de teatro, a comuna acabou por ser o ensino de teatro mais interventivo que neste país existiu».

maria joão luís recorda a sua passagem pela comuna como «uma experiência maravilhosa». «todo o elenco, toda a equipa, me recebeu de uma forma muito carinhosa, amável, generosa» revela a actriz, que não só entrou em guerras de alecrim e manjerona, como deu concertos com a sua banda de rock, que a comuna acolheu. «há uma relação muito interessante de cumplicidade no projecto artístico».

mas nem só gente ligada ao teatro passou pela comuna. com o café-teatro, inaugurado nos anos 80, começaram as festas, que ainda hoje ali decorrem aos fins-de-semana, reunindo centenas de pessoas a dançar até de madrugada. algumas voltarão, não para dançar, mas ver teatro.

ao longo destes 40 anos foram muitos os que pisaram, de alguma forma, o chão do casarão. como diz silva melo: «e agora, que muitos dos seus membros mais decisivos ocupam lugares de topo nas plataformas institucionais (joão mota no tndmii, cucha carvalheiro no trindade, álvaro correia na estc) ou industriais (manuela couto e cucha carvalheiro na direcção de novelas televisivas), podemos dizer que toda a representação que existe em portugal nasceu por ali, à praça de espanha». l

rita.s.freire@sol.pt