Direito ao disparate

As ausências de Soares, de Alegre e da Associação 25 de Abril das comemorações da Revolução dos Cravos são mais do que estranhas notícias: são o reflexo de um país deserdado.

recusar fazer parte das comemorações do dia que pôs termo à ditadura em protesto contra a política do governo é mais do que uma tomada de posição: é um insulto a todos aqueles que lutaram, pública e anonimamente, pelo novo rumo que portugal e as então colónias seguiram a partir de então. é uma afronta, vinda de quem sabe que a crise não toca a todos mas quer aparecer na fotografia mostrando que sofre e chora como o comum dos mortais. o que mudou nas vidas de soares, ou de alegre, por exemplo, com o ‘aperto’ que asfixia milhões de portugueses? assistir de fora às notícias que denunciam a crise e a austeridade em portugal, ou mesmo às notícias que tentam negá-la, é um exercício penoso. mas ler ou ouvir os argumentos de quem recusa celebrar oficialmente o 25 de abril é pior: trata-se de um ataque à inteligência nacional.

portugal está nas lonas. por causa da crise, mas sobretudo por causa da demagogia que grassa como se não houvesse amanhã e que não pára de crescer. não basta o estado das finanças públicas, os cortes salariais, a falta de dinheiro, de projectos, de esperança, de horizontes, de bons líderes, de vontade. agora, alguns dos mais importantes militares de abril e alguns dos políticos que mandaram no país após abril vêm dizer que estão em causa os ideais e as conquistas da revolução, pelo que não vale a pena celebrá-la oficialmente.

mas, ao contrário do que os agora ex-revolucionários dizem, vale a pena celebrar o 25 de abril. fazer ‘birra’ na fase em que o país está é a atitude que menos ajuda. é dar o pior exemplo. é dar motivos de regozijo aos que, ainda hoje – e não são assim tão poucos – continuam a lembrar saudosamente o país de salazar e caetano, que amordaçou os portugueses e os povos ultramarinos que se tornaram livres. perderam-se direitos? sim. o governo toma decisões que contrariam conquistas revolucionárias? sem dúvida. soares, alegre, ou vasco lourenço, os ‘cabeças de cartaz’ da novela desta semana, têm ideias frescas – concretizáveis – para o país? pois então, que façam outra revolução. se a causa for justa, terão certamente a seu lado os cidadãos e os militares para fazer um país mais esperançoso. caso contrário, escolham outro caminho que não dê tão má imagem. é verdade que, em democracia, até o disparate é admissível. mas, como diria alguém, «não havia ‘nexexidade’»…