‘Vamos fazer o pino para chamar mais gente’

Tradutor e poeta premiado, advogado e conhecido por vários cargos institucionais e pela ligação ao PSD, Vasco Graça Moura, 70 anos, está há três meses na presidência do CCB. Um homem clássico num lugar que agora quer mais português. 

é presidente do centro cultural de belém (ccb) há três meses. já tem noção do que será o futuro da instituição?

já tenho alguma. ainda estamos a preparar o plano trienal de actividades, que vai de 2013 a 2016, mas o que posso dizer é que vamos concentrar grande parte da nossa actividade em produção portuguesa. não por nacionalismo exacerbado, por uma série de razões. o_estatuto da fundação ccb define que é nossa obrigação a promoção da cultura e, em especial, da cultura nacional. isso alia-se à necessidade imperiosa de dar apoio aos artistas nacionais, num momento em que vivem em grandes dificuldades, e à necessidade de reduzirmos encargos – seria mais oneroso recorrer à produção estrangeira. é à volta destas ideias que vamos construir a programação.

fizeram no início de março um convite público para apresentação de propostas para a programação do ccb. receberam 740. esperava uma adesão tão grande?

admitia essa possibilidade porque mostra como o conselho de administração do ccb quer dialogar com a produção e a criação nacionais. muitas delas – de música, teatro, dança – parecem ter todas as condições para serem acolhidas pelo ccb. foi um êxito e é um processo que vamos repetir.

são provavelmente artistas que não tiveram o apoio do estado e que agora encontram no ccb um refúgio…

não gostaria de usar esse termo porque induziria a ideia de que temos de acolher indiscriminadamente os sem-abrigo, com todo o respeito que tenho pelos sem-abrigo. e isso não vai acontecer. não abdicamos de fazer uma programação com qualidade. somos uma fundação de direito privado e utilidade pública, não nos substituimos ao estado. vamos é tentar encontrar na criação artística portuguesa o tipo de espectáculos que pensamos servir bem o interesse público dentro da vocação do ccb.

vai ser privilegiada a criação artística portuguesa contemporânea?

quando falo de criação artística portuguesa refiro-me sobretudo à interpretação. se quiser um pianista a tocar beethoven, procurarei que seja um bom pianista português que o faça. neste momento os programadores estão a partir pedra. ou seja: a pegar nas 740 propostas que nos chegaram, a arrumá-las, a analisá-las e a pontuá-las. depois temos entidades que trabalham regularmente connosco, como a orquestra metropolitana de lisboa, ou o divino sospiro. obviamente que virão também a ser consideradas na nossa programação.

quando estarão essas decisões tomadas?

até ao fim de agosto. gostaria de ter o programa elaborado até ao fim de julho, para ter uma reunião com o conselho directivo, para depois ter a sua aprovação e enviar para a tutela.

vai intervir directamente na programação?

não. não deve haver grandes sobressaltos na afectação das pessoas a determinadas actividades. devemos respeitar o capital da experiência que têm e o tipo de trabalho que têm dado a esta instituição. é mais simples, em diálogo com elas, tentar encontrar terrenos de entendimento, do que estar a fazer mudanças radicais ou operar rupturas com o que tem sido feito, que tem sido bom e criou uma afirmação do ccb.

a imagem que disse ter de ‘monstro horrendo’ para algumas vanguardas já está atenuada?

não faço a mínima ideia, mas não estou nada preocupado. nunca misturei as minhas próprias concepções com a minha actividade institucional. e quando fiz essa referência estava a pensar em períodos em que tomei posição pública contra a subsídio-dependência. tenho atenuado essa posição por pensar que, hoje, todas as artes se estão a tornar subsídio-dependentes, dada a crise  que estamos a atravessar. se algum dia, e esperemos que isso aconteça depressa, portugal levantar a cabeça e a situação económica melhorar, voltarei a defender as mesmas ideias: que o estado não tem de suportar, no grau que vinha a suportar, toda uma série de actividades. tem de assegurar o património, a sua conservação, valorização e difusão, assegurar a defesa da língua, proporcionar o acesso dos cidadãos à fruição dos bens da cultura e tem de se ocupar dos grandes equipamentos culturais, seja um teatro, uma orquestra sinfónica ou uma ópera. há coisas para as quais ainda não temos uma sociedade civil em condições de financiar.

há o receio de que os seus gostos muito clássicos possam levar a uma programação virada para o passado.

no tempo em que fui administrador da imprensa nacional casa da moeda editámos inúmeras obras sobre fernando pessoa, embora eu não o aprecie particularmente. portanto, não é evidente que o meu gosto pessoal se reflicta directamente. mas não faria nenhum mal fazermos um rapel a um conhecimento clássico. se eu puder pôr aqui alguma coisa sobre camões que veja que é boa para o grande público, é claro que ponho. tudo o que eu puder fazer para reabilitar a relação dos portugueses com a sua própria herança cultural, não tenham dúvidas de que o farei. ora isso não exclui outras coisas. nós temos uma herança cultural que está a degradar-se todos os dias e não podemos deixar que isso aconteça.

quando tomou posse falou-se em encontrar uma nova identidade para o ccb. que identidade é essa?

a nossa identidade faz-se por contraposição com as outras grandes instituições culturais de lisboa. a gulbenkian, que tem outros meios, tem uma oferta a nível da música e da museologia imbatíveis e de grande prestígio internacional. a culturgest, nos últimos tempos, especializou-se em actuações de vanguardas em diversas áreas. nós teremos de ser forçosamente ecléticos. no ccb o público terá de pensar que vai encontrar boa música, dança e teatro feitos principalmente por portugueses. se isso puder ser uma fisionomia parece-me que já é muito importante.

isto significa uma ruptura com o que tem sido feito?

de maneira nenhuma. vamos assegurar um certo tipo de continuidade. o_ccb é uma instituição que se prepara para fazer 20 anos e tem um valor que é inquestionável. vamos é tentar harmonizar necessidades, possibilidades e recursos, neste tempo de crise.

tem havido menos público?

sim. fevereiro teve quebras significativas de bilheteira. houve espectáculos de grande prestígio que tiveram quebras de 40%. houve um espectáculo no grande auditório com 90% de lugares vazios. e não foi por falta de qualidade do programa nem da prestação dos artistas e as pessoas entendem isso. deve-se à situação económica do país.

isso preocupa-o muito?

vamos ter de fazer o pino para conseguir chamar mais gente. isso é importantíssimo. não é por uma questão de lucro, que não é um objectivo da fundação, mas isto não pode ser nadar em seco. vamos ter de usar técnicas de marketing e de comunicação mais agressivas, melhorar o site, intervir no facebook. há hordas de turistas que saem dos autocarros e que vão dos jerónimos à torre de belém sem entrar no ccb. temos de perceber por que isso acontece e mudar.

rita.s.freire@sol.pt e  telma.miguel@sol.pt

(actualizada)