Entrevista de Sassetti ao SOL quando lançou o álbum Motion

O pianista Bernardo Sassetti desvendou ao SOL o álbum Motion há dois anos. E revelou na altura que queria apostar numa carreira de realizador paralela à música.

entrevista publicada a 19 de fevereiro de 2010

quando, a 10 de março, bernardo sassetti tocar com o seu trio pela primeira vez o novo disco motion, no centro cultural de belém, atrás de si serão projectadas seis curtas-metragens da sua autoria. é a primeira pista para uma carreira de realizador que o músico também planeia abraçar em breve. ou não tivesse sassetti passado os últimos anos numa relação saudavelmente promíscua com o cinema.

nos últimos anos dedicou-se mais à música para cinema. voltou ao trio por cansaço da criação solitária?

era uma necessidade voltar a apostar na carreira do trio, que por motivo de outras actividades tinha ficado algo esmorecida. já levamos quase 14 anos disto e senti que estávamos num ponto de viragem importante. estamos a tocar de uma forma cada vez mais livre e crescemos muito musicalmente desde o nocturno. esse será sempre o disco que toda a gente vai mencionar da minha carreira. acho que é inevitável.

mas esse é que é o ponto de viragem.

é um pouco. aquilo de ir para estúdio e gravar um tema e depois outro sem qualquer tipo de relação, é uma coisa que está muito para trás no meu conceito de música . e este disco, o motion, esta ideia de movimento, de dinâmica, no global e dentro de cada tema, é um sonho de há muito. envolve todo um trabalho prévio, que nasce com a realização de uma série de filmes em fotografia. o motion não vive sem imagem e acho que muito dificilmente a minha carreira vai viver sem imagem no futuro. gosto tanto de fazer música quanto de fazer fotografia e desta vez resolvi ir ainda mais longe – fazer filmes com fotografia.

prevê uma altura em que a música passe a acompanhar a imagem e não o contrário?

sim. um dia destes quero pôr tudo num formato chamado motion box – são seis curtas-metragens baseadas no disco, que vivem com a música mas que também podem viver autonomamente. essas curtas são uma consequência da música que quis fazer neste disco, mas a música também é uma consequência da imagem.

o mote para o disco foi o dia- -a-dia, uma vez que se divide em blocos que começam às 7h10 e terminam à noite?

a ideia inicial, e que acabou por não ser o mote, era água. a forma como as coisas se transformam, avançam na corrente, como se perdem, a fluidez. mas o motion para mim representa toda a vida, a nossa vida em conjunto ou individual, dentro de um dia, que começa às 7h10 da manhã. podia começar às 6h15, mas quis que começasse às 7h10, por ser a hora a que costumo acordar por razões familiares. há outra coisa que tem que ver com o lado familiar, o lado no qual me escondo, que é a ideia de algum revivalismo, representada num tema com som antigo. lembro-me perfeitamente de inúmeras sessões em que eu e a minha família estávamos agarrados a um daqueles rádios antigos, a sintonizar. esse foi o meu primeiro pensamento relativamente ao motion..

nesse tema não é claro se são vocês a tocar ou se é uma gravação antiga apanhada no rádio. curiosamente, deve ser o único que as rádios passariam.

há uma certa ironia nisso. o meu disco não passa na rádio. e esta é uma maneira mais irónica de pedir para não o fazerem. eu gostava muito que passasse, mas já que não passa, então que não passe mesmo, porque aquilo pode induzir as pessoas em erro. uma faixa com radio tuning é uma chatice, uma pessoa apanha um susto se ouvir aquilo no carro.

toca no disco um tema dos sparklehorse, grupo de rock independente. de onde vem essa escolha?

gosto muito de canções, sobretudo no rock. não gosto muito do universo cor-de-rosa das canções do jazz. nesse aspecto encantei-me com a ideia de começar a experimentar canções. há uma canção no disco, ‘morning circles’, que tem que ver com o meu projecto songs around circles. está tudo escrito, tudo orquestrado, só que está parado porque é muito difícil de pôr em pé, financeiramente.

são canções old school, para crooner?

sim, são old school, com orquestra, mas não é para crooner, é para cantor rock mesmo. não sei se o farei com o francisco silva, dos old jerusalem, com quem já trabalhei, ou com outra pessoa. acho que nunca será com um cantor de jazz. mas é um projecto ainda com muitos meses para pensar.

e que outros projectos estão em cima da mesa?

gravei recentemente a maria do mar [banda sonora para o filme de leitão de barros] com orquestra sinfónica, que é uma felicidade para mim porque já tem 11 anos. aquele filme é uma obra-prima e, para ser honesto, muito dificilmente consegue sobreviver sem a minha música [risos]. foi o vasco azevedo, da sinfonietta de lisboa, que quis investir nesta maratona de gravar 1h45 de música . o disco que tenho em mente em seguida será triplo, se o conseguir fazer. vai chamar-se qualquer coisa como piano works e são as obras para piano, muitas delas inéditas. não quero ter tempo a perder, quero é gravar discos. gosto muito mais de ir para estúdio do que ir para palco. sinto um certo peso das palmas, do público, da plateia, muitas vezes os concertos são genuínos e acontece uma energia que é colectiva, outras vezes não e é uma coisa estranha. e muitas pessoas pensam que a música e os artistas existem para as distrair. para mim a música é algo totalmente diferente.

há tempos falava na possibilidade de voltar para londres. ainda faz parte dos planos?

artisticamente, estou com um pé cá e outro lá. tenho projectos a crescer na expectativa de voltar a ter um grupo lá. só não se tem materializado exactamente pela dedicação noutra área, mas isto agora vai mudar.

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