Marta Atalaya: ‘Gosto do anonimato dos jornais’

Julgava-se uma menina da imprensa, mas acabou na televisão. Está habituada a depender do improviso, mas ainda acusa «alguma pressão» em directo. No programa Opinião Pública, nunca sentiu tanto o desalento e o desespero dos espectadores como agora.

estava em estúdio quando foram os atentados do 11 de setembro. foi um trabalho muito exigente?

a sic notícias tinha arrancado há pouquíssimo tempo e eu jamais esperaria ser posta à prova com um acontecimento daquela dimensão, que me marcou como jornalista. estive cinco horas alucinantes em directo e ainda hoje me questiono como consegui ter o distanciamento para relatar os acontecimentos sem me emocionar. isso só aconteceu depois, quando cheguei a casa.

o que sentiu?

uma descarga enorme. tive a sensação de que o mundo jamais seria o mesmo. tinha na cabeça as imagens das pessoas a atirarem-se das janelas, imagens que, mesmo passando cem anos, vão continuar a marcar-nos.

um pivô está preparado para um acontecimento como aquele?

quando trabalhamos num canal de informação, temos de estar habituados a trabalhar sem rede. ao contrário do que se imagina, não somos papagaios, trabalhamos muito com a ajuda do teleponto, mas também com o improviso. e é esse o grande desafio da televisão – o gozo do imediato, a adrenalina do directo.

ainda sente a adrenalina do directo ou vai tranquilamente para estúdio?

vou tranquilamente para estúdio, com a noção de que a normalidade pode ser interrompida. já não vou com o frio e as borboletas que inicialmente sentia no estômago, mas ainda acuso alguma pressão. e é bom manter isso, porque evita o relaxamento.

já passou pela imprensa, no semanário e no correio da manhã. quando acabou o curso, julgava que seria uma menina da imprensa ou da tv?

uma menina da imprensa! sempre gostei imenso de escrever e um jornal aprofunda mais os assuntos. por outro lado, gostava do anonimato que me trazia a imprensa. o primeiro artigo que escrevi para o semanário foi sobre o ira. e recordo-me da alegria de estar numa esplanada ao sábado e ver uma pessoa sentada ao meu lado, a ler o meu artigo, desconhecendo que eu era a autora. hoje esse artigo está emoldurado.

e como é que o canal de notícias de lisboa surgiu na sua vida?

um pouco por acaso. uma colega minha falou-me que o cnl ia abrir. não fui aos primeiros nem aos segundos testes, mas à terceira pensei: ‘vamos lá tentar’. e fiquei. depois, foi um bocadinho uma aventura, porque estava efectiva no correio da manhã e não sabia se o cnl tinha pernas para andar. estava longe de imaginar que se tornaria a sic notícias, o que acabou por ser uma boa surpresa. hoje, sinto-me muito realizada e só tenho pena de ainda não ter feito rádio.

sempre que as pessoas falam de si referem aquele episódio em que um espectador a assediou em directo, durante o programa opinião pública. isso incomoda-a?

são episódios menos felizes, mas que fazem parte do crescimento. os primeiros tempos foram difíceis, mas entretanto ganhei alguma confiança.

nesses primeiros tempos estava sempre à espera que lhe acontecesse o mesmo?

tentava não pensar muito nisso, mas as pessoas que participavam no programa – numa perspectiva de solidariedade – recordavam-me sempre o episódio. faziam-no com boas intenções, mas… sou uma optimista e procuro tirar sempre algo de bom das situações. e esta história deu-me de facto outra confiança para me sentar naquela cadeira.

pensou em não voltar a sentar-se?

quando cheguei a casa, perguntei-me se teria coragem de voltar. mas tive de o fazer; se não voltasse a sentar-me no dia a seguir, à mesma hora, em estúdio, nunca mais o faria… hoje não é uma coisa em que pense muito, mas só há um ano e meio é que voltei a ver as imagens no youtube.

apresentar um programa como o opinião pública comporta riscos?

comporta. não somos nós que procuramos as pessoas, são as pessoas que nos procuram, e sem grande triagem. mas, apesar do risco, é um programa que me dá imenso gozo. é curioso, faço o opinião pública há anos, mas nunca senti tanto o desalento e o desespero das pessoas que nos ligam. temos casos de pessoas que telefonam com frequência apenas para o desabafo e temos a noção de que o único bocadinho do dia em que alguém as ouve é naqueles dois minutos em directo. as pessoas vivem muito sozinhas.

recebe cartas de agradecimento?

já recebi algumas e já recebi telefonemas. houve até um assessor de um ministro que ligou para a coordenação do programa a dizer que o ministro em causa tinha ficado muito sensibilizado com um telefonema. pediu-nos o contacto da espectadora para poder inteirar-se da situação, porque, para ele, era evidente que as políticas naquele caso não estavam a funcionar. nesse dia, fui para casa com a sensação do dever cumprido.

leva sempre esses testemunhos consigo?

não consigo ficar indiferente a algumas injustiças que são partilha das ali e as histórias que têm um final feliz são as que me fazem sentir que estou na profissão certa.

alguém de uma revista cor-de-rosa a aborda, é obrigatório responder a questões de foro privado?

o meu marido [josé alberto carvalho] e eu preservamos muito a vida a seis, com os meus filhos e as minhas enteadas. como temos vidas muito intensas, ao fim-de-semana gostamos de ficar no nosso espaço a curtirmo-nos uns aos outros. quando vamos a alguns eventos, como é raro aparecermos, somos bombardeados, mas nunca tive situações desagradáveis. percebo que seja natural fazerem perguntas. o facto de termos visibilidade pública leva a que isso aconteça.

por que deixou o basquetebol?

pratiquei desde os 12 anos até entrar na faculdade. houve um tempo em que tentei conciliar com os estudos, mas foi complicado. era federada, tinha treinos todos os dias, jogos aos fins-de-semana, por isso, senti que tinha de fazer uma opção e foi uma opção difícil. ainda hoje tenho imensas saudades.

se agora lhe dessem uma bola ainda conseguiria marcar pontos?

três pontos não, mas dois, talvez. com algum jeito…

francisca.seabra@sol.pt