Ventos de mudança em França

Angela Merkel está de «braços abertos» à espera do seu novo ‘número dois’ na liderança europeia: no próximo dia 15 o Palácio do Eliseu voltará a ter um inquilino socialista, 17 anos depois da saída de François Mitterrand. O François, desta vez, será Hollande, o homem que fez com que Nicolas Sarkozy se tornasse o…

e se em paris se troca o mais excêntrico dos presidentes da era moderna pelo homem que prometeu uma «presidência normal», no resto da europa tenta-se adivinhar que mudanças trará a troca de uma dupla impulsionadora da austeridade por um binómio entre a disciplina fiscal germânica e as novas promessas francesas de crescimento. por outras palavras, será que frangela, homer ou merkollande – a imprensa europeia ainda tenta encontrar a melhor ‘alcunha’ para a sua nova dupla – terá o protagonismo alcançado por merkozy?

no domingo, após ter sido anunciada a sua vitória com 51,7% dos votos, hollande reforçou que a «austeridade não pode ser o destino da europa». e enquanto aguarda pelos primeiros contactos internacionais – estará em berlim no dia seguinte à tomada de posse e seguirá para os eua, onde participará nas cimeiras do g8 e nato –, o novo líder gaulês não perde tempo para anunciar as primeiras mudanças internas, prometidas durante a campanha.

as primeiras medidas

assim, os rendimentos superiores a um milhão de euros anuais serão taxados a 75%, o salário mínimo – actualmente nos 1.093 euros – será aumentado para além da indexação à inflação e o preço dos combustíveis será fixado pelo governo. cortes, para já, só nos salários dos governantes: hollande reduzirá o seu ordenado em 30%, numa medida que contrasta com o aumento de 172% decretado por sarkozy ao tomar posse, então justificado pela necessidade de equiparar o seu vencimento ao do primeiro-ministro.

ventos de mudança que criam sensações díspares em todo o mundo: se o britânico guardian, próximo da esquerda de hollande, acredita que «a chegada de um socialista pró-europeu pragmático pode ser a última hipótese para salvar o euro e o projecto europeu da agenda neoliberal que acabaria por enterrar os dois», o ministro das finanças do japão – um dos maiores compradores da dívida pública europeia – espera que a frança «cumpra o que já foi decidido» em matéria de disciplina fiscal.

um ponto que será fulcral para o futuro do segundo presidente socialista francês desde o fim da ii guerra mundial: a frança é o país da zona euro que destina maior percentagem do pib (56%) ao financiamento do estado social, o que tem colocado o país entre as potenciais vítimas de um agravamento da crise da dívida europeia. e o fmi projecta um défice de 3,9% para 2013, número que obriga o novo govern «ganhar a eleição é uma coisa. a parte difícil vem agora», avisava a economist, revista britânica que não escondeu o cepticismo com que encara a vitória de hollande. encontrar um equilíbrio entre o rigor orçamental e as promessas de crescimento será agora a prioridade do novo presidente, que não poderá ignorar as eleições legislativas que se disputarão a 10 e 17 de junho.

hollande já afirmou que anunciará o nome do primeiro-ministro no dia da sua tomada de posse. para já, jean-marc ayrault, autarca de nantes e um dos principais aliados de hollande, é tido como o favorito numa corrida que inclui a líder do partido, martine aubry, e o deputado manuel valls – o favorito do eleitorado segundo sondagem do le parisien. nomes para um ciclo presidencial de cinco anos que estarão pendentes, porém, dos resultados de junho. uma larga maioria de direita poderá obrigar hollande a lidar com um primeiro-ministro da oposição logo nos primeiros meses de mandato.

reforma de luxo

o desiludido sarkozy despediu-se da vida política, somando à saída do eliseu a demissão na liderança da sua união por um movimento popular (ump). «serei mais um francês entre os franceses», disse ao pedir aos seus apoiantes para estarem ao lado de hollande. o líder que teve como prioridade recolocar a frança no palco internacional – liderou as negociações por um cessar-fogo entre rússia e geórgia em 2008 e impulsionou a entrada da nato na líbia já depois de ter promovido o regresso de frança à estrutura militar da aliança – sempre teve dificuldades perante um eleitorado que nunca aceitou a sua queda pela excentricidade, fosse a festejar a eleição num iate no mediterrâneo fosse a casar com um super-modelo de origem italiana. na segunda-feira, o le monde sublinhava as mudanças nos festejos: «nada de restaurantes luxuosos» nos festejos de hollande, «apenas a catedral da sua cidade-natal e depois uma visita à bastilha».

uma vida de luxo que não tem obrigatoriamente de acabar: sarkozy tem direito a um ordenado de 6 mil euros, que pode alcançar os 17,5 mil caso aceite pertencer ao órgão que se equivale ao conselho de estado português. terá um apartamento mobilado, dois seguranças, um automóvel, dois motoristas e sete colaboradores. isto além do direito vitalício de viajar gratuitamente nas classes executivas das companhias estatais de aviação e caminhos-de-ferro.

mas não se pense que tudo são rosas para o antigo presidente: dentro de um mês sarkozy perderá a imunidade judicial garantida no eliseu e já se especula que poderá ter de vir a responder pelas acusações de financiamento ilícito do partido. seja no escândalo que envolve a dona do império l’oreal, lilliane bettencourt, ou nas sombrias relações da ump com o antigo ditador líbio, muammar kadhafi.

nuno.e.lima@sol.pt