apesar dos méritos académicos nacionais nos transportes, este é um dos sectores com mais problemas em portugal, o que é paradoxal…
em muitos países há a tradição de recorrer aos académicos.em outros não, como portugal. há países com parlamentos mais exigentes.
a ligação entre os mundos académico e político é fraca?
os académicos por definição são tipos incómodos. o país teria a ganhar se os ouvisse mais, pois têm sido tomadas decisões que não são baseadas no conhecimento científico.
a dívida das empresas de transportes está perto dos 20 mil milhões de euros. como se pode lidar com este problema?
as empresas de transportes público em toda a europa não conseguem obter receitas tarifárias suficientes para cobrir os seus custos. em portugal temos de resolver o passado. estas empresas não têm condições para manterem no seu balanço toda a dívida. deve sair dali para o tesouro, por exemplo. sem isso a operação também não pode ser concessionada a privados.
como se pode diminuir esse valor?
em larga medida, é dívida bancária. não me parece que seja possível renegociar. temos de pagar, acabou, andámos a comer à conta.
mas o pagamento de juros representa 75% dos prejuízos, o que dificulta o equilíbrio das empresas.
foram mais de 20 anos a acumular prejuízos e a escondê-los debaixo do tapete. os encargos devem passar para os responsáveis, que são os governos.
é possível encontrar novas fontes de receita para compensar?
na europa, a regra base é cobrir os saldos operacionais negativos com o dinheiro dos contribuintes. aparecem exemplos para financiar investimentos novos.
o que pode ser feito para ajudar as empresas de transportes públicos?
normalmente, é à conta de impostos locais. é a principal medida. tenho vindo a defender a utilização das mais-valias imobiliárias, o que, por exemplo, dava para cobrir parte dos investimentos do metropolitano de lisboa. é também possível cobrar uma sobretaxa sobre o estacionamento comercial e uma taxa sobre o número de lugares de estacionamentos oferecidos pelos empregadores.
há dois caminhos possíveis: o da austeridade, de cortar serviços e aumentar preços, e um alternativo, de investir para dar escala às empresas.qual defende?
esses dois caminhos não são opostos. para aumentarmos os passageiros, temos é de tratar a sério a questão do estacionamento. o governo estava perante uma ferida a sangrar e teve necessidade de fazer um garrote. entendi as medidas do governo como medidas de emergência absoluta. espero que as coisas estejam a ser estudadas para encontrar uma solução mais duradoura, que permita recuperar passageiros. mas atenção, a perda de passageiros também está ligada ao aumento do desemprego.
os preços subiram mais de 20% no último ano. em comparação com a europa, estamos em que patamar?
não estamos de maneira nenhuma no topo de preços face ao poder de compra.
os operadores privados podem trazer ganhos de eficiência?
o que eu diria é que em lisboa deve ser feita uma concessão a um operador privado. temos de fazer a prova.a experiência mundial demonstra que os operadores privados conseguem custos entre 20% a 25% mais baixos.
nos eua o estado teve de resgatar a operação ferroviária.
em todo o sítio podemos ter casos mal geridos, e os eua não são o paradigma ideal para os transportes públicos. mas em portugal as empresas foram quase encorajadas a ganhar banha na barriga. por isso digo: abram-se os concursos, façam-se comparações.
muitos analistas defendem o abandono da alta velocidade ferroviária. concorda?
gosto pouco de afirmações genéricas e categóricas. não podemos dizer se deve ou não ser abandonado, temos de analisar a sua sustentabilidade económica.
e em relação à substituta portuguesa, a ligação ferroviária de mercadorias entre portugal e espanha?
os fluxos de mercadorias entre portugal e espanha são muito muito baixos. pode vir a ser muito interessante, mas não deve ser vista como salvador da pátria.
o principal fardo do sector são as parcerias público-privadas, com uma despesa contratada de 50 mil milhões. como pode ser aliviada?
o problema não é de agora, foi gerado anteriormente. admitimos hipóteses ridículas sobre o crescimento futuro da economia portuguesa e que os juros de financiamento dos privados fossem os mais baixos possíveis. logo, o estado teve de lhes retirar a maior parte dos riscos. foi um arranjinho, como se costuma dizer.
qual a solução agora?
não conheço o detalhe dos contratos. dava vontade de perguntar aos senhores que assinaram esses contratos se estavam a dormir ou acreditavam que nunca chovia. são níveis de assumpção de ausência de risco absurdos. fomos anjinhos. não sei se foram os governos ou os eleitores.
frederico.pinheiro@sol.pt