A morte misteriosa de Sassetti

Os últimos momentos da sua vida Bernardo Sassetti partilhou-os com Mário Laginha, um dos seus melhores amigos. «Almoçámos juntos na quarta-feira e combinámos ir andar de bicicleta na sexta». Nesse derradeiro encontro, Sassetti contou-lhe como ficara satisfeito por ter ‘aguentado’ o último concerto sem dores.

«ele estava aborrecido e um pouco irritado por não conseguir tocar piano», contou ao sol laginha, referindo-se aos problemas de saúde – tendinite e dores provocadas por uma hérnia discal – que levaram o amigo a cancelar dois concertos na culturgest, em lisboa. mesmo assim, garante o compositor, sassetti «fazia combinações sempre com um sorriso nos lábios».

o músico, de 41 anos, esteve pela última vez em palco no dia 28 de abril, no fórum cultural de alcochete. e morreu 12 dias depois, após a queda de uma falésia perto da praia do abano, em cascais. o alerta foi dado por um pescador às 15h05.

o ministério público (mp) abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte e, para já, continuam em aberto dois cenários: uma queda acidental ou um acto suicida.

‘adorava correr riscos’

«ele não tinha perfil para deixar tudo para trás e não paralisava perante problemas», defende mário laginha, recusando esta última hipótese. «cada pessoa pensa o que quiser, mas eu sou dos que sabem que ele adorava correr riscos e era muito homem para esticar a corda».

segundo laginha, não era a primeira vez que o amigo se deslocava ao guincho para fotografar. sempre envolvido em vários projectos, o pianista andava entusiasmado com a ideia de publicar um livro de fotografia – uma área que o apaixonava.

mas o que terá acontecido ao artista no passado dia 10 é um mistério. um pescador amador que àquela hora se encontrava naquela escarpa, com cerca de 20 metros de altura, terá assistido a tudo e chamou o 112. «entrou aqui completamente transtornado, estava pálido. dizia que viu o homem (sassetti) atirar-se do rochedo» – contou ao sol manuel eusébio, empregado do restaurante abano, situado próximo da falésia.

ninguém viu a máquina fotográfica

quando os bombeiros e a polícia marítima chegaram ao local, a confusão instalou-se. e, a partir daí, as versões multiplicaram-se. «outros dois pescadores, que estavam um pouco mais afastados daquela falésia, comentavam que o homem tinha caído», diz o funcionário do restaurante.

a verdade é que nenhuma das testemunhas referiu ter visto sassetti com uma máquina fotográfica. e as autoridades também não encontraram este equipamento junto ao cadáver – que foi resgatado, ao fim de três horas, de uma zona rochosa conhecida como os cinzentos. ali, garantem os pescadores, o mar tem ondulação forte e as arribas são traiçoeiras. «é um sítio muito escorregadio, com muita gravilha, e as arribas estão muito instáveis», observa amílcar, que há mais de 30 anos pesca à bóia naquelas águas: «o problema é que há muitas pessoas que arriscam de mais, põem-se mesmo à beirinha. não sabem que um mar calmo pode varrer tudo de repente com uma onda».

na tarde em que sassetti morreu, outro homem caiu ao mar numa falésia junto à praia das maçãs, tendo, no entanto, sobrevivido. «a mais importante barreira de segurança deve ser o nosso comportamento», defende dário moreira, comandante da polícia marítima de cascais, adiantando que, nos últimos dois anos, nove pessoas morreram e 16 ficaram feridas na sequência de quedas de falésias – a maioria dos acidentes aconteceu na boca do inferno e no cabo da roca. este ano, sassetti foi já a segunda vítima.

a autópsia, apurou o sol, revelou entretanto, que sassetti morreu por afogamento. mas os peritos da medicina legal vão ainda realizar exames toxicológicos para saber se estava sob efeito de álcool ou drogas.

últimos dias em isolamento

o corpo do pianista nunca chegou a ser identificado pela polícia. «entreguei o processo ao ministério público como se de um desconhecido se tratasse», confirma o comandante, acrescentando que, nesse período, nenhum familiar reclamou o cadáver. «só no dia seguinte fomos contactados por pessoas que se mostraram idóneas e vieram levantar o carro da vítima».

foi também nesse dia que beatriz batarda, a mulher, e francisco sassetti, o irmão, identificaram o corpo da vítima, na morgue do cemitério da guia, em cascais.

nos últimos dias, garantem alguns amigos mais íntimos, não era fácil marcar encontros com o músico. sassetti – que tinha o hábito de deixar o telemóvel desligado – só respondia por sms.

alguns que o viram recentemente estranharam a magreza e acharam-no desanimado. sassetti falava sempre dos transtornos que a hérnia e a tendinite lhe causavam.

«se estava deprimido, nunca o deixou transparecer», diz carlos barretto, que tocava contrabaixo no trio de sassetti. falou com ele pela última vez há duas semanas: «disse-me que estava a fazer fisioterapia e a melhorar devagarinho».

este era o tema que dominava as conversas no meio musical, confirma o editor do pianista, pedro costa: «sei que cancelou os concertos por causa de uma hérnia discal e de uma tendinite».

laginha, um dos poucos com quem sassetti mantinha contacto assíduo nos últimos tempos, recorda uma imagem feliz do amigo, negando também a existência de qualquer problema familiar. «ele e a mulher estiveram em minha casa no dia 25 de abril, no meu aniversário, e umas semanas antes fui eu a casa deles, para o aniversário da maria, a filha mais nova».

sonia.graca@sol.pt*com alexandra ho