Alberta Marques Fernandes: ‘Nota-se que sou genuína’

Durante o temporal da Madeira, esteve uma tarde inteira no ar com a ajuda do Twitter. No Justiça Cega, na RTP Informação, coloca-se na posição de espectadora. Diz que se impuser ordem, o programa «perde metade da graça».

quando se estreou na sic, o emídio rangel disse que a alberta era um diamante por lapidar. esse trabalho já está terminado?

a composição de um jornalista é feita a vida inteira. nós vamos mudando como pessoas e como jornalistas. a alberta de há 20 anos queria ser jornalista de internacional; a alberta de agora gosta mais de fazer entrevistas, de conhecer as pessoas, de conseguir retirar o melhor delas. há uma evolução do trabalho.

houve uma evolução na agressividade com que apresentava as notícias?

a agressividade era pura e simplesmente medo. era insegurança. nos primeiros tempos, diziam-me que parecia querer bater no espectador. não era nada disso. mas os anos foram passando e fui relaxando. hoje, sei que sou um bocadinho mais eu e a agressividade só surge em determinadas entrevistas, nomeadamente com políticos. são momentos em que sou mais provocadora.

gosta do trabalho em estúdio da rtp informação?

gosto do ritmo da rtp informação. acabei de fazer cinco horas de informação e, nestas horas seguidas, fiz quatro entrevistas [na quarta-feira]. uma delas ao josé luís peixoto sobre o último livro dele, outra sobre economia, outra sobre a cimeira ibérica. isto permite uma grande elasticidade, com directos e coisas a correrem menos bem. mas adoro a adrenalina que provoca, tal como gosto de poder mudar de registo – não dou as notícias todas da mesma forma. aí nota-se que sou genuína, porque vou atrás do que as notícias me sugerem.

é isso que define um bom pivô?

um bom pivô é aquele que consegue uma empatia com as pessoas lá em casa, que faz as perguntas que as pessoas gostariam de ver respondidas. é alguém com quem os espectadores se identificam ou que identificam como tendo credibilidade para lhes transmitir informação.

as pessoas reagem muito ao seu trabalho no twitter. é uma forma de perceber se o espectador se identifica consigo?

o twitter é bem mais do que obter feedback do meu trabalho, porque as pessoas que se relacionam comigo no twitter relacionam-se mais com a pessoa do que com a jornalista. é também partilhar sentimentos, músicas, estados de alma…

mas esse contacto é importante?

muito, muito. em estúdio, tenho sempre o twitter e o facebook ligados, também porque funcionam como duas janelas para o mundo. são a forma que tenho de sair dali, e isso pode fazer a diferença.

recorda-se de um caso em que as redes sociais fizeram a diferença?

durante o temporal da madeira, que foi um caso dramático em termos profissionais, porque o temporal era tão grande que afectou as transmissões. estava no ar, praticamente sem rede, a fazer a emissão apenas com uma coordenadora, e passámos a tarde a dar informação de fontes fidedignas e credíveis do twitter. quando as pessoas perceberam que funcionavam como fontes, passaram a enviar-me links de onde eu poderia recolher mais informação.

apresenta também o justiça cega. sente-se confortável com o programa?

há momentos em que me divirto, outros em que me irrito, em que penso ‘o que é que eu estou aqui a fazer?’… mas, à medida que o tempo foi passando, os convidados e eu fomos criando uma grande cumplicidade. eu estou ali para moderar e quanto menos aparecer melhor o programa está a funcionar. o programa é deles [rui rangel, moita flores e marinho pinto]. são eles que gerem os tempos e as opiniões.

quando há opiniões mais exaltadas, não lhe dá vontade de impor a ordem?

não acho que deva estar de martelo na mão, a impor ordem. estou apenas ali para ir cosendo algumas coisas, dando o in e o out, como costumo dizer. aliás, coloco-me na posição de espectadora porque, se impuser muita ordem, o programa perde metade da graça e ele só tem sucesso exactamente porque estão ali pessoas que dizem o que pensam, que não têm medo das consequências do que dizem, que não estão alinhadas. o que se pretende mais?!

ao longo da sua carreira, as questões que mais tem acompanhado estão ligadas à igreja. isso acontece porque teve formação católica?

sou católica, não tenho só formação católica. é evidente que estou muito mais próxima de toda a linguagem da igreja e que toda a liturgia católica me é familiar, por isso, praticamente não preciso de preparar uma viagem do papa ou umas jornadas mundiais da juventude. talvez seja por isso que as direcções de informação peguem em mim e me coloquem nesses trabalhos, mais do que pegar noutras pessoas que não têm essa sensibilidade.

quando a entrevistei há dez anos, disse que se imaginaria hoje na rtp a fazer «belíssimos programas» com o material do arquivo. tem essa vontade?

a fundação manuel dos santos fez um documentário maravilhoso sobre a saúde materno-infantil, em que se foram buscar imagens de arquivo extraordinárias, de mães com sete, oito ou nove filhos, nos anos 70. são documentos históricos, e eu fiquei deliciada a ver o documentário que só foi possível com esse material da rtp. portanto, dá-me prazer imaginar… não quero passar o resto da vida em frente às câmaras.

viveu em luanda até aos seis anos. nesta fase de crescimento em angola, já regressou ao país?

fui lá passar o fim do ano com a minha filha. fui a luanda, a malange, a terra da minha família, a benguela, ao lobito. fiz centenas de quilómetros naquela estrada, e foi maravilhoso. nós andamos, andamos, e é uma imensidão. vemos as cubatas feitas daquele barro vermelho cor da terra e de ramos de árvores, onde vivem pessoas em muito melhores condições do que nos bairros de lata à volta de luanda.

o que é que a sua filha achou?

adorou! tem graça, a minha filha é muito africana, inclusive a dançar. e donde vem aquilo? dos genes.

diz que sente um carinho especial pela rtp áfrica.

a rtp áfrica é uma das razões que justifica a existência de uma estação pública. deveria fazer-se mais? claro, até porque só há muito pouco tempo é que a imprensa começou a interessar-se por áfrica.

francisca.seabra@sol.pt