A Guiné-Bissau e a (des)ordem internacional

Há precisamente cinco semanas os militares da Guiné-Bissau, influenciados por Kumba Yalá e pelos candidatos derrotados na primeira volta da eleição presidencial, interromperam o processo eleitoral em curso, prenderam o Presidente interino e o primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. e tomaram o poder.

o pretexto foi a presença da missão militar angolana (missang), que estava no país, a pedido do governo legítimo, para apoiar a reforma das forças armadas.

o golpe militar desencadeou a condenação unânime dos países da região e de organizações internacionais como a cplp, a cedeao, a união africana, as nações unidas. e também do departamento de estado norte-americano.

internamente, a reacção popular foi também de absoluta condenação. e com razão: a seguir ao golpe os salários dos funcionários públicos deixaram de ser pagos, o abastecimento de combustível cessou e a vida da população, das pessoas normais, tem vindo a deteriorar-se.

a guiné-bissau é membro da cplp e da cedeao. desta por razões de ordem político-geográfica. daquela por razões de ordem político-cultural.

numa crise deste tipo, seria elementar que estas organizações coordenassem esforços para, de acordo com as decisões tomadas na sequência do golpe, contribuírem para o restabelecimento do status quo ante ao golpe. ou seja, do governo do paigc de carlos gomes jr. e da conclusão do processo eleitoral. menos que isso é flagrante contradição com o espírito da ordem internacional, com os próprios estatutos, decisões e resoluções destas organizações.

mas é o que está a acontecer. valendo-se de ter conseguido a libertação dos governantes legítimos, a cedeao apoderou-se do processo. o pior é que, entretanto, alterou radicalmente as disposições iniciais. na sua última resolução acaba por, continuando formalmente a condenar o golpe e os golpistas, legitimar a sua acção de forma tácita ao adoptar uma solução que coloca como presidente interino um dos apoiantes do golpe, cria uma transição de um ano para novas eleições e afasta do poder os governantes eleitos.

e prepara-se para pedir financiamento para a operação à comunidade internacional, nomeadamente à união europeia.

só que o reconhecimento desta situação abalará, de vez, a já pouca confiança nos mecanismos da ordem internacional. se os militares da guiné-bissau prevalecem contra todas estas organizações e declarações solenes de condenação, estará legitimada a força como modo normal de os descontentes alterarem a vontade popular.