Viagem pelo país sem acesso à Televisão

Os dias de Albano Sancho, de 87 anos, ficaram mais silenciosos, desde que deixou de ter televisão analógica. A partir do dia 26 de Abril, o televisor lá de casa passou a ser apenas um objecto de decoração. «Estou sem televisão porque tenho uma reforma de 375 euros. Sinto falta, mas não posso ter», conta…

viúvo há dez anos e com a filha a morar em lisboa, diz ter deixado de ter «a companhia» dos «telejornais e do preço certo». para enganar as horas, passou a deitar-se às 19h; para se distrair e fazer algum exercício, costuma dar uma volta a pé pela manhã.

«a meo ainda me ligou para vender os seus serviços, mas eu disse que não». o que albano sancho espera é conseguir ir para o lar, onde teria companhia… e televisão. «estive quatro meses lá, mas saí por falta de dinheiro. a mensalidade é de 700 euros», lamenta.

com o apagão, a paisagem de penalva de alva mudou. se antes era raro encontrar antenas, agora – casa sim, casa não – encontram-se ‘pratos’ da meo ou da zon. «é interessante olhar para estes ‘pratos’ e ver qual foi a alternativa à televisão analógica», observa o presidente da junta de penalva de alva, rui campos. «este é o nosso castigo, por vivermos aqui», lamenta.

 

com 0% de sinal

a rede de cobertura da televisão digital terrestre (tdt) é naquela freguesia de 21% – não é das piores taxas do concelho, tendo em conta que há três freguesias com 0%: avô, são sebastião da feira e alvoco das várzeas. percebe-se assim que não está a ser acatada a recomendação feita, através da resolução da assembleia da república n.º 11/2012. ao governo foi recomendado que «adopte as medidas necessárias para que seja dada cobertura universal do sinal digital, seja por televisão digital terrestre, seja por satélite, sem custos adicionais para estes utilizadores, assegurando assim que seja garantido que não existam cidadãos excluídos, particularmente por razões económicas».

o vice-presidente da câmara municipal de oliveira do hospital, francisco rolo, não poupa nas críticas à transição para a tdt: «não se desenvolveu um sistema novo de televisão; isto é sim o triunfo da tv paga».

o autarca refere que seis mil dos 21 mil habitantes do concelho estão sem acesso à televisão digital e que «a vantagem que a tdt trouxe foi para os operadores de telecomunicações, uma vez que as pessoas ou deixaram de ter televisão ou tiveram um acréscimo de custos».

o presidente da junta de penalva de alva diz que chegou a ouvir um técnico de instalação de televisão por subscrição dizer que o apagão «foi a melhor oportunidade de negócio dos últimos dez anos». como forma de ‘protesto’, rui campos ainda não aderiu a nenhum pacote – para ver tv, recorre à internet.

 

25 canais pagos para ver apenas quatro

em setembro do ano passado, a freguesia de penalva de alva começou a ser visitada por colaboradores das empresas de tv paga. «andaram rua a rua, a bater a todas as portas», recorda rui campos. e acrescenta que «a pt já sabia quais eram as zonas onde não iria haver grande sinal, pois mandaram para lá os vendedores da meo».

o presidente da junta acredita que, daqui por algum tempo, muitas das pessoas que aderiram quer à zon quer à meo irão cancelar os serviços: «com esta conjuntura económica, vamos ver até que ponto as pessoas vão aguentar a despesa».

rui campos dá o exemplo de uma idosa que recebe 160 euros de reforma, gasta todos os meses entre 80 e 90 euros na farmácia e ainda paga os serviços prestados pelo centro de dia. a senhora, que tem como única companhia a televisão, só continua a vê-la porque o neto – que entretanto ficou desempregado – lhe paga o serviço. «aqui as pessoas não têm distracções. ou vão para o café, ou vêem televisão, ou dão um passeio a pé».

emília pinto, de 74 anos, fez um contrato com a zon em dezembro do ano passado. «o meu marido disse: ‘se temos de mudar, aproveitamos o cabo’». conta que o vendedor da empresa nunca lhe falou no descodificador: «disse-me que o mínimo era o serviço de 25 canais». e foi com esse serviço que ficou, mesmo só lhe interessando os quatro canais generalistas.

a habitante de penalva não está satisfeita e considera que a tdt «foi um ‘enche bolso’ para as operadoras». pagou 80 euros pela instalação e ficou com uma mensalidade de pouco mais de 13 euros. «agora já estou a pagar 14 euros e tal. há pouco tempo, houve uma avaria na box e tive de pagar 35 e mais a deslocação do técnico», desabafa, chamando a atenção para o uso da tv paga por pessoas analfabetas: «se o meu marido e eu sabemos ler e escrever e tínhamos muitas dúvidas no uso do comando, o que será quem não saiba».

a solução para os habitantes da freguesia, diz rui campos, passa por instalar um retransmissor, no valor de seis mil euros, que «teria de ser pago pela junta e a pt». mas o autarca diz que a empresa responsável pela transmissão do sinal da tdt não quer assumir os encargos.

«a anacom [autoridade nacional de comunicações] não esteve à altura das responsabilidades. esteve mais interessada em proteger a pt do que em regular o sector», acusa rui campos, enquanto o vice-presidente da autarquia de oliveira do hospital refere que os ganhos «ficaram do lado da pt e dos operadores; os custos do lado das autarquias e da população».

também em portalegre há problemas de sinal. josé mota sousa instalou um descodificador em casa da sogra, em arronches (distrito de portalegre). nunca teve sinal: «desde o apagão que não há televisão e, desde dezembro de 2011, sempre que fizemos tentativas não funcionou».

no dia 26 desse mês, viu com poucas falhas cinco horas de televisão digital e gostou. «mas foi a única vez», explica ao sol. com receio de o descodificador estar avariado, josé testou o aparelho noutro televisor a nove quilómetros de arronches «e funcionou muito bem». por isso, concluiu que o problema era do sinal.

considerando que «a pt tem a obrigação de fornecer o sinal que reponha, em todas as casas, no mínimo, os quatro canais que existiam na tv analógica», josé sousa contactou, por e-mail, a pt e a anacom. a primeira respondeu-lhe, de forma evasiva, que a morada referida encontrava-se «numa zona que deverá ter cobertura tdt». a entidade reguladora deu-lhe uma resposta pré-formatada, explicando o que é a tdt. sem apresentar soluções.

 

‘discriminação’

mais a norte, antevendo problemas com a transição para a televisão digital, os presidentes das juntas de freguesia de valhelhas e de famalicão da serra, na guarda, ponderaram interpor uma providência cautelar contra o desligamento do sinal analógico. já não foram a tempo, mas agora está em cima da mesa a possibilidade de processarem judicialmente a anacom, com um pedido de indemnização.

em causa, a «discriminação» de que são alvo as populações daquelas freguesias que, numa ‘zona de sombra’, tiveram de encontrar uma solução pelas próprias mãos e com custos muito elevados. os autarcas contestam a diferença entre os dez euros gastos por habitantes de zonas cobertas com tdt e os mais de 90 a pagar pelas populações que representam, onde só há sinal por satélite.

a junta de famalicão da serra, a que antónio fonte preside, tem recolhido dezenas de pedidos para aparelhos, facilitando a tarefa, sobretudo aos mais idosos. é que «as pessoas juntavam-se às dezenas à porta das lojas da pt» na sede de concelho, em busca dos poucos aparelhos disponíveis. à factura, ainda assim, não escapam: 30 euros pelo aparelho para cada uma das duas primeiras televisões (à terceira o valor sobe), mais 60 euros pela montagem. «as pessoas vêem-se privadas de um serviço público e do direito constitucional à informação e ainda pagam a taxa na factura da edp, mesmo que não tenham instalado o serviço», argumenta paulo carvalho, de valhelhas.

antónio fonte, autarca vizinho, parece resignado: «já nos discriminam em tanta coisa. no meio disto tudo é mais um roubo ao interior».

no dia do apagão do sinal analógico, «só quem tinha serviço pago, e uma ou outra pessoa mais precavidas» é que conseguiam ver televisão. «a maioria deixou-se andar até à última hora», explica antónio fonte.

por opção, luís ferreira foi uma dessas pessoas. esteve alguns dias sem televisão e, esgotados os aparelhos na guarda, teve de ir à covilhã, onde comprou um aparelho, «para experimentar». um cepticismo em linha com o que se vivia na aldeia antes do apagão: «as pessoas tinham medo de gastar dinheiro».

 

‘já nem ligo a tv’

também manuel dias ficou sem tv por opção: «já nem ligo, nem me chateio». sozinho, com 91 anos, está à espera que lhe instalem o aparelho que solicitou à junta de freguesia de famalicão da serra, para voltar a ter a companhia dos quatro canais. junto a ele, no banco da rua, fernando marques já viu a ‘cabeça’ do aparelho avariar com a humidade devido à chuva. e os invernos rigorosos da região não o deixam optimista para o futuro.

josé teixeira, que já tem o adaptador, viu o sinal interrompido sem aviso numa noite no início desta semana: «só aparecia escuro e uns números. deitei-me… no dia seguinte, depois do meio-dia, liguei-a e já estava normal».

antónio gonçalves, de valhelhas, também teve de ir à covilhã resolver a sua situação – comprou aparelhos para todas as televisões de casa. paulo carvalho teme pela economia da povoação, antecipando problemas com o verão, sobretudo em ano de euro. «temos um parque de campismo e uma praia fluvial com óptimas condições, à qual foi atribuída bandeira azul. mas se os caravanistas não puderem usar as televisões que habitualmente trazem…», vaticina. e acrescenta um outro problema: as antenas vão enchendo os telhados da aldeia em pleno parque natural da serra da estrela, «desfigurando a paisagem».

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