chegou há uma semana da grécia, depois de cobrir as eleições. o trabalho de um enviado especial está muito dependente das histórias que encontra na rua?
quando é um acontecimento deste género – ou seja, eleições – pode preparar-se alguma coisa com antecedência. eu preparei algumas das histórias, em lisboa, mas a maior parte não. porque ninguém sabia, por exemplo, que a extrema-direita iria eleger 21 deputados. foi um fenómeno novo, que não tinha peso nenhum antes. ou o caso da coligação da esquerda radical que passou, de repente, a segundo partido mais votado. para falar com eles, teve de ser feito um contacto no local.
é um trabalho marcado pela sorte quando se pretende aceder a esses contactos?
é preciso acordar muito cedo, ir para as portas dos sítios onde supostamente as coisas acontecem e tentar que as pessoas falem connosco, nos contem as histórias. nesse sentido, a pressão é grande, porque temos de ter histórias para contar nos jornais, à 1h da tarde e às 8h, e quando acordamos de manhã não temos nada.
já esteve em muitos cenários de guerra e zonas de conflito, como no ruanda, em timor, no egipto, no afeganistão ou no irão. onde sentiu mais medo?
as guerras no médio oriente dão muito medo, um bombardeamento dá medo… mas também tive medo no egipto, que não estava em guerra. tive medo pela situação de violência descontrolada que se vivia [na primavera árabe], em que houve mais do que uma colega da imprensa estrangeira violada. estive com uma delas, que acabou com os braços engessados até aos ombros e que quis contar a sua história para toda a gente perceber o que se estava a passar. às vezes, são situações mais perigosas do que cobrir uma guerra. quem não tiver medo é porque não tem noção do que está a acontecer.
pode ter-se medo, mas também é preciso alguma coragem para cobrir esses eventos?
um jornalista tem de ter coragem, mas não quer dizer que um dia não lhe falte.
mas é um qualquer jornalista que vai para um cenário de guerra?
o jornalismo de internacional é muito caro em televisão. portanto, quando se manda um repórter para este tipo de operações há uma coisa que a empresa tem de garantir – que vai ter notícias no ar, que as reportagens serão feitas, que aqueles directos, que são muito caros para qualquer estação, serão feitos também. uma televisão tem de ter a certeza de tudo isso.
e consigo há essa certeza?
claro. não se pode enviar uma pessoa que não tenha muita experiência em reportagem, em directos, ou que não saiba trabalhar sob pressão. aquele trabalho tem de ficar feito às horas certas. geralmente, as pessoas que fazem esse tipo de trabalhos já fizeram muita coisa em portugal antes de irem para o estrangeiro.
mas conta apenas a experiência?
conta a experiência e o facto de se gostar do que se faz. um jornalista que é enviado especial tem de ter um desprendimento grande. se tiver de ficar um mês fora, fica um mês. se tiver de ficar dois meses lá, fica dois. se forem três, são três. ou seja, não pode ter feito planos e tem de ter a noção de que a sua prioridade é ser repórter, sem que a vida privada colida com o trabalho. não posso telefonar para lisboa, ao fim de uma semana, e dizer que quero ser substituída porque estou muito cansada, a não ser que tenha sofrido um acidente ou fique ferida. isso implica disponibilidade para a função e ter sempre uma mala feita dentro do carro.
já lhe aconteceu pegar nessa mala e viajar?
usei-a na madrugada em que bin laden foi morto no paquistão. peguei na mala e no passaporte e parti para os eua.
é editora de internacional há dez anos. esta é a secção que mais a motiva?
são os assuntos que mais me interessam. fiz a minha carreira académica, até ao grau de mestrado, na área da política internacional, para depois trabalhá-la em jornalismo.
mas quando entrou para a rtp, começou na secção de internacional?
comecei a fazer reportagem de todos os géneros, como qualquer jornalista. sociedade, política, o que fosse… fiz o estágio, essas reportagens todas e só depois é que fui parar onde queria trabalhar.
e lembra-se do primeiro trabalho?
foi em 1989, quando fiz uma reportagem de 50 minutos sobre o 25 de abril, para uma emissão especial. o meu coordenador era o josé manuel barata feyo e, para meu grande terror, era uma reportagem a que chamei ‘a revolução dos outros’, sobre a nova geração, que depois seria comentada em estúdio pelo dr. mário soares. por isso, é difícil esquecer-me do meu primeiro trabalho. lembro-me de termos ido, antes, a belém e de o dr. soares olhar para mim e dizer: ‘então, quando for grande quer ser cineasta?’. achou que era mais um documentário do que uma grande reportagem.
foi muito criticada quando entrevistou o embaixador do irão em portugal, com um véu a cobrir-lhe a cabeça. se fosse hoje faria o mesmo?
fiz essa entrevista na embaixada do irão, que é território iraniano, e só tiraria o véu se o embaixador me autorizasse, o que também já me aconteceu, mas que não foi o caso. por isso, mantive o véu, tal como quando entrevistei o presidente do irão. obviamente, também já fiz entrevistas aos embaixadores do irão na rtp e não usei nenhum véu, porque não estava em território estrangeiro.
quando é que lhe deram essa autorização para retirar o véu numa entrevista?
há um ano e meio ou dois, quando entrevistei um dos mais importantes sacerdotes iranianos, que veio fazer uma conferência sobre o islão na universidade católica. entrevistei-o na embaixada, porque interessava-me saber o que pensava sobre as relações entre o cristianismo e o islão, e perguntei-lhe se poderia tirar o véu. ele disse-me que poderia fazê-lo, que não se sentia nem ofendido nem desautorizado.