Nome novo, vida velha

Na cena II do segundo acto da peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare, Julieta, a única filha dos Capuleto, diz os célebres versos: «What’s in a name? that which we call a rose/ By any other name would smell as sweet».

os apelidos do casal de adolescentes apaixonados impedem a sua felicidade, daí o suspiro de julieta, que assim indica não deixaria de estar apaixonada se o amado se chamasse romeu (espírito santo) silva. a ideia é a de que uma rosa não deixaria de o ser se tivesse outra designação. vem isto a propósito do nome a dar ao novo casal franco-alemão que lidera os destinos da europa. merkozy era excelente. soava a multinacional de congelados com contentores nos portos das principais cidades dos países do sul da europa. já vi merkollande, homer, que adoro, mas que é demasiado erudito, e até merde, seguramente escolhido por anti-europeístas radicais. parece que gosto de merllande. é arrastado, por isso eloquente desta alegada nova vida europeia. o que há em merllande? o mesmo, mas com um nome pior.

serviço público

gosto do serviço público de rádio e televisão. gosto do conceito de serviço público. acredito, aliás, que uma noção sólida do que interessa ao mais variado tipo de público é essencial ao êxito de cada canal, publicação ou site. deve ser um desafio organizar a programação da rtp, que precisa de chegar a toda a gente. até a pessoas como eu, que quase nunca suportam um programa (que não seja um episódio de uma série) até ao fim. uma solução para captar um público, digamos, nervoso estará em fazer programas mais curtos. outra solução está de certeza na muito boa qualidade dos mesmos, mais difícil de descrever aqui. aconteceu ficar a ver a estreia de o tempo e o modo, da autoria de graça castanheira, que reúne estas duas qualidades. trata-se de uma série de dez conversas de trinta minutos com personalidades diversas. o escritor uruguaio eduardo galeano foi a primeira a deixar o seu testemunho sobre a nossa história comum. a música e performer laurie anderson foi a segunda. à quinta-feira, às 23h30, na rtp 2.

despenteada e sábia

já aqui falei de mary beard, professora de clássicas em cambridge, autora de vários livros sobre a antiguidade e colaboradora do times literary supplement. fiquei a saber há pouco tempo que mary beard é autora de um programa de televisão que a rtp podia comprar para eu ver. meet the romans é sobre o quotidiano pouco conhecido dos cidadãos romanos comuns e não das celebridades imperiais. a. a. gill escreveu no sunday times que mary beard, de quase 60 anos, é «impossível de ver na televisão» a aparência da académica é a que esperamos de uma pessoa que vive na roma antiga. mary beard usa o cabelo branco, comprido e despenteado e não se preocupa com a imagem. sabe muito sobre os assuntos de que fala e é por essa razão que o público a quer ver e ouvir. a crítica é dura e injusta. mas lembra os motivos por que mulheres competentes são afastadas do ecrã. quem ditou que as apresentadoras de programas de televisão tinham de ser todas muito jovens, certinhas e penteadinhas? talvez críticos como este.

polegar opinativo

daniel ray carter é uma pessoa como qualquer outra que tem uma conta de facebook. como qualquer utilizador da rede social, espalhava polegares virados para cima por contas alheias. um dia, decidiu fazer um like! à página de jim adams, o oponente político do seu patrão, o xerife b.j. roberts, de hampton, na virgínia. foi despedido por manifestar publicamente o seu gosto pela página do opositor. carter questionou a justa causa, invocando a primeira emenda, e o caso foi para tribunal. segundo o juiz raymond jackson, a liberdade de expressão não é chamada para o caso porque «o botão do like! é insuficiente para merecer protecção constitucional». parece que noutros casos semelhantes há precedentes no mesmo sentido sobre o dito polegar. a objecção óbvia à decisão do juiz está no que quer dizer gostar de alguma coisa: trata-se de uma opinião. em tempos antigos, era uma indicação de que a vida de alguém era poupada aos leões esfomeados no circo. o caso será decidido num tribunal superior. estarei atenta.

ouvir ler

há dias sonhei que era muito velha e que não tinha ninguém ao lado para me ler em voz alta os livros que deixara de ser capaz de ver. apesar de a miopia ter piorado, não tinha perdido o optimismo e espírito prático, que me permitiam pensar em soluções para o problema. não havia quem lesse, mas tinha os chamados audiolivros. john colapinto, da revista the new yorker, não ficou velho nem míope. um trabalho urgente levou-o aos audiolivros. tinha de aproveitar todos os minutos do dia para avançar na leitura. ouvia enquanto lavava a louça, fazia jogging, e assim foi capaz de concluir o trabalho a tempo. no seu artigo elogioso deste modo diferente de ler descreve a sua experiência como leitor-ouvinte e fala sobre a realidade complicada da interpretação dos textos. os audiolivros proporcionaram mais trabalho para os actores. fazer uma leitura em voz alta de um texto literário requer capacidades que estão muito próximas da representação. há poucos audiolivros em portugal. espero que daqui a cinquenta anos haja mais oferta.