Os ricos que paguem a saúde!

Com alguma frequência, o tópico do serviço público de saúde surge em discussões políticas. Ainda recentemente um ex-Presidente da República optou por não assistir às comemorações do 25 de Abril por considerar que o actual Governo está a destruir o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A Constituição consagra que o SNS deverá ser universal e geral. Mas, independentemente do que se encontra escrito na lei fundamental, é essencial perceber o que é desejável para a sociedade. O texto da Constituição não pode ser visto como um dogma! Aliás, se a Constituição em 1976 ditava que o SNS deveria ser gratuito, actualmente apenas exige que, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, deverá ser «tendencialmente gratuito».

Num mundo sem restrições financeiras, a gratuitidade dos serviços de saúde seria algo defensável sem grandes discussões. Mas esse mundo nunca existiu, não existe, nem nunca existirá. O funcionamento de um serviço estatal de saúde consome recursos que o Estado tem de pagar. Assim, e para identificar a melhor forma do Estado intervir, há que avaliar o sistema de saúde sob as perspectivas da eficiência e da equidade.

Do ponto de vista da eficiência, justifica-se que a saúde tenha um tratamento diferente da maioria dos bens e serviços: além dos benefícios individuais que retiramos do consumo dos serviços de saúde, há benefícios globais que resultam para a sociedade. A redução drástica no risco de epidemias é um exemplo destes benefícios colectivos. Estas externalidades são um argumento forte a favor de subsidiar um SNS, devendo o Estado suportar a parte dos custos que corresponde ao valor do benefício que a sociedade retira do funcionamento deste.

Para garantir que as despesas do Estado em saúde respeitam o critério da equidade, é necessário que os mais desfavorecidos beneficiem destas mais que os mais ricos. Todavia, se todas as necessidades de cuidados médicos forem asseguradas gratuitamente a toda a população, não se está a beneficiar mais os mais pobres. E, ao limitar a gratuitidade do SNS aos mais necessitados, estar-se-á a obrigar os mais ricos a ‘pagar’ por duas vezes as despesas de saúde: através dos impostos (para financiar das despesas com os mais pobres) e através do preço que pagam para usufruir dos serviços que consomem (no SNS ou no sector privado).

Este argumento é contrário à oferta gratuita de serviços de saúde porque permite complementar as políticas redistributivas que visam maior equidade e que, tipicamente, são implementadas através de impostos sobre o rendimento. Como as ineficiências geradas por estes impostos são consideráveis com taxas de imposto elevadas, oferecer gratuitamente os serviços públicos de saúde apenas aos mais pobres permitiria alcançar o mesmo nível de justiça social com menores taxas de imposto.

Para uma maior eficiência e justiça social é indispensável redimensionar o SNS e diferenciar os custos suportados pelos seus utilizadores, exigindo um esforço maior a quem mais pode pagar.

Professor, Católica Lisbon-School of Business & Economics